sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O filme que viveu duas vezes

Há filmes que pedem que não se escreva rigorosamente nada - ou, na extrema necessidade de o fazer, muito pouco - sobre eles. Não porque tenham pouco para nos dizer - também os haverá desse tipo, mas são contas para outra altura -, mas porque nenhuma consideração tecida a seu respeito, por mais eloquente que seja, lhes fará alguma vez a justiça devida. VERTIGO, de Alfred Hitchcock, é exemplo gritante desse preceito, pedindo, como poucas outras obras, visualização atenta e em completa absorção.


Paradigma categórico de fita pensada do primeiro ao último momento, nada parece falhar na obra-prima de Hitchcock. Das cores à iluminação, dos décors ao figurino, do som à imagem, de Stewart a Novak, todos os elementos funcionam - e, mais importante, conjugam-se - na maior das precisões, fruto da direcção cuidada do britânico. Tem-se em Vertigo uma verdadeira e completa lição de Cinema - assim, com honras de capital e tudo -, exemplo irrepreensível do que mais tarde se tentaria reproduzir várias vezes sob a égide genérica do thriller psicológico. Na verdade, o que se tem aqui é algo muito mais complicado, uma representação intrincada da obsessão e sexualidade levada ao extremo dos sentidos.


Talvez por isso Vertigo tenha a necessidade - e aqui será mesmo caso disso - de se reviver a si mesmo, de se repetir quando entra em cena a cópia da cópia, já depois dela se ter extraído a cópia do original (que nunca se chega a ver com clareza). A vertigem do filme não nasce só das alturas e escadarias - apesar das belas cenas que lá se fazem -, mas também da própria narrativa, objecto raro em quase constante convolução. Não será de estranhar, portanto, que o espectador mais desatento corra o sério risco de se perder durante a viagem e não ser capaz de alcançar o seu destino. Para ele, o meu conselho será de paciência. E que insista uma vez mais, que a obra é merecedora de atenção, quiçá como nenhuma outra no Cinema.

António Tavares de Figueiredo

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VERTIGO, de Alfred Hitchcock, encontra-se em exibição nos cinemas UCI El Corte Inglés, em Lisboa, e UCI Arrábida, no Porto. Oportunidade única para experimentar a vertigem em sala, em cópia digital e versão restaurada, meses após ter sido eleito o melhor filme de sempre pela publicação britânica Sight & Sound.

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