quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Virados do Avesso (2014)

Pelo trailer - dos spots publicitários mais bizarros do Cinema Português recente -, e conhecendo o background de Edgar Pêra, já se adivinhava que VIRADOS DO AVESSO seria das duas uma: ou um filme tão experimental, mas tão experimental, que ninguém perceberia que o era, ou um objecto tão vulgar nos seus modos que, paradoxalmente, seria entendido como absolutamente experimental. Sem o benefício da digestão (até porque não creio que o seu principal problema seja o de ser particularmente indigesto, mas já lá iremos), não me consigo decidir em qual das hipóteses se encaixa melhor.


Uma coisa, contudo, é certa: Virados do Avesso será dos maiores manguitos lançados ao público português, porventura maior até do que o João César Monteiro lançou com Branca de Neve (mas menos satisfatório). Vejamos, correndo o risco de arrastar, em massa, espectadores às salas - e não é de todo descabido julga-lo capaz de rivalizar com os números de Balas & Bolinhos, Morangos com Açúcar - O Filme ou 7 Pecados Rurais -, será dos primeiros casos, se não mesmo o primeiro, em que um autor tão vincado é capaz de o fazer entre-fronteiras. E a malta que não conhece Pêra (a grande maioria, arrisco-me a avançar) nem desconfiará que está perante um dos grandes realizadores experimentais da actualidade.

A questão aqui, portanto, não se prenderá tanto com a inteligência, ou a falta dela, da premissa como com a tentativa de compreender o motivo que levou Pêra a descer tão baixo. Será que a velha dicotomia do Cinema Português - comercial versus de autor - não teria sido, ainda assim, uma vez mais reacendida caso o filme em questão não fosse tão mau (e, pior, assumidamente mau)? Porque Pêra, ao contrário do seu protagonista, não se esqueceu do experimentalismo da noite para o dia. A prova está na montagem, presa entre o slow e o fast motion, das mais excêntricas na filmografia nacional. E se se ri ao apresentar um produto tão abaixo da sua bitola, já nem o faz genericamente (como se diz, às tantas, no filme), mas claramente às custas de quem pagou para o ver.

O problema está na vacuidade extrema (dos estereótipos ocos ao humor brejeiro) a que Pêra se entrega para mostrar - ou denunciar, conforme se tenha maior ou menor vontade em compreender a sua intenção - o dilema do autor que se prostitui ao comercial. Na verborreia, quer literal, quer visual, que tudo domina, enche planos com Diogo Morgado - o Jesus tornado pecador e convertido em straight -, abusa da artificialidade das luzes e da trama, e utiliza um sem número de gags que, de outra maneira, não se lembraria nunca de utilizar. Mais, tenta enfiar em cada cena um novo gimmick de câmara, a ver se alguém dá por isso. É nesse tasteless - e haverá tasteless maior neste cantinho à beira-mar plantado do que colocar Anselmo Ralph a cantar as suas músicas em frente a uma câmara? -, cópia inferior ao reproduzido por Harmony Korine em Spring Breakers, até pelo ridículo a que se sujeita, que Virados do Avesso perde o fio à meada e se deixa afundar.

Pêra, à semelhança de Nick Cave, deixou de ser, a certa altura, um ser humano. Encarnou a personagem de Homem-Kâmara, filmou-se no quotidiano, filmou os outros, meteu-se no meio de Godard e Greenaway, brincou com o 3D e realizou um filme tão estranho - O Barão - que ninguém na RTP 2 reparou que estavam a exibir uma esverdeada versão inacabada antes de surgirem as queixas. Mas ninguém gosta de ver a sua inteligência insultada, mesmo que quem a insulte o faça de forma (aparentemente) inteligente. E, após ver Virados do Avesso, não deixo de me sentir assim. Pêra dançou no varão do Cinema comercial. Esperemos é que não repita a gracinha tão cedo.


Título Original: Virados do Avesso (Portugal, 2014)
Realizador: Edgar Pêra
Argumento: Henrique Cardoso Dias, Roberto Pereira, Frederico Pombares
Intérpretes: Diogo Morgado, Jorge Corrula, Marina Albuquerque, Nuno Melo, Philippe Leroux, Miguel Partidário
Música: José Joaquim de Castro
Fotografia: Miguel Sales Lopes
Género: Comédia
Duração: 96 minutos


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