sábado, 8 de dezembro de 2012

O carrossel de Jackson

Foi há já mais de uma década que estreou em sala o primeiro tomo da trilogia THE LORD OF THE RINGS, de Peter Jackson. Os três filmes, que varreram prémios e bilheteiras, são considerados, quase unanimemente, uma das franquias cinematográficas de maior qualidade e sucesso. E o caso não será para menos. Adaptados da obra homónima de J.R.R. Tolkien, a epopeia do hobbit responsável por destruir a expressão do próprio Mal é um dos exemplos mais flagrantes de personalidade e inteligência no cinema comercial recente, aquilo a que alguns usam chamar blockbuster de autor. Dos vários exemplos do referido engenho - e não são tão poucos quanto isso - valerá a pena destacar, de todos, o final da saga.

Escreve-se, pois, de THE RETURN OF THE KING e da sua última meia-hora. Para trás haviam já ficado outros dois filmes - THE FELLOWSHIP OF THE RING e THE TWO TOWERS, cujas torres do título Tolkien confessou, em cartas, não saber discernir - e mais de metade do mapa. A Irmandade separara-se no final do primeiro capítulo e os hobbits seguiam agora com Gollum rumo a Mordor para destruir o Anel-Um. Na retaguarda, os companheiros enfrentam as hordas de Sauron, desconhecendo o seu destino ou, sequer, sobrevivência. Assim, e voltando ao final de The Return of the King,  encontramos Frodo profundamente corrompido pelo Anel, acompanhado por Sam, enquanto o resto da Irmandade trava às portas de Mordor a batalha pelo futuro da Terra Média. Não se deve esquecer que o grosso da estória foi escrito durante a II Guerra Mundial, evocando sentimentos de fraternidade, resistência e sacrifício. Outrossim, retoma-se a ideia muito tolkienista de que o herói não nasce, faz-se. Teria sido mais fácil colocar Aragorn, por exemplo, como o portador da jóia ao invés de dar a responsabilidade a um pequeno hobbit; no entanto, o valor moral da fábula seria possivelmente menor. Mais do que a Fantasia, o importante em The Lord of the Rings é a ideia de gente comum a ultrapassar as adversidades e a fazer frente à Injustiça. E assim se entra no carrossel de emoções idealizado por Tolkien e construído por Jackson que nos guia através do fim daquela jornada.


Nas muralhas enfrenta-se - num autêntico leap of faith motivado por um sentido discurso do Rei que regressou - todo o exército de Sauron, num confronto desnivelado e sem qualquer hipótese de vitória. Gritam «For Frodo!», e partem para a carga, hobbits à frente. Do outro lado da parede, a luta é outra, contra o Anel-Um e o seu poder. Acabam por destruí-lo, mas precipitam o desmoronamento de Mordor e a sua própria obliteração. Lá fora os orcs partem em debandada, desorientados pela extinção do seu senhor. Rios de lava, detritos que voam, o colapso do Olho-Que-Tudo-Vê e um dos mais belos planos picados da última década. Os amigos, seguros do seu destino, discutem o what if, o que poderiam ou não ter feito caso não tivessem sido puxados  para aquela aventura. Um fade to black agridoce dá lugar a breves momentos de escuridão e silêncio. Mas eis que surgem as Águias e a Salvação. Frodo acorda junto aos amigos - o primeiro que vê é Gandalf, visivelmente comovido - e o carrossel volta a fazer das suas: ao não ver Sam entre os presentes julga-o morto por alguns segundos, até que o jardineiro entra no quarto e compõe a imagem. Tudo parece bem de novo.

Aragorn é coroado em Gondor. Assiste-se àquela que será, porventura, a sequência mais emotiva da obra: após todos os outros demonstrarem a sua lealdade perante o rei recém-entronizado, e quando os hobbits se preparavam para também eles o fazerem, é-lhes dita uma frase que, de tão arrepiante, merece uma linha só sua para que possa respirar.

«My friends, you bow to no one.»

Acompanhados da mais etérea das bandas-sonoras e por um subtil, mas maravilhoso, travelling in no rosto de Frodo, mais embaraçado do que orgulhoso, os hobbits encontram junto dos Homens e das outras raças que julgam superiores o merecido reconhecimento que lhes escapa no Shire - e nos seus semelhantes -, que desconhece a sua monumental empresa. Quando voltam a casa meses após terem partido apercebem-se de uma dura verdade: apesar de nada ter mudado, eles estão irremediavelmente diferentes. A ignorância é uma bênção. Frodo e Sam cumprem as promessas que fizeram naquela distante rocha em Mordor. Sam casa-se com Rosie e constitui família; Frodo completa as crónicas de Bilbo. Mas Jackson não estava ainda preparado para terminar e dá uma última volta ao carrossel. As feridas de Frodo, provocadas pela lâmina pestífera da corrupção, não saram. Os hobbits iniciam uma última viagem com Gandalf. Foi concedida a Bilbo a honra de viajar com os últimos Elfos para as Terras Eternas. Na hora da despedida são proferidas as dolorosas palavras que já se anteviam. «Frodo, it is time». Choram baba e ranho, mas sabem que é para o melhor; Frodo é também passageiro daquele barco que nunca regressará. As crónicas são confiadas a Sam, num derradeiro gesto de amizade, para que este preserve a memória do que se passou. E volta-se outra vez a casa, ligeiramente mais feliz mas, simultaneamente, mais triste e vazio. É obra!


Jackson enfia com mestria uma roda-viva de sentimentos em pouco mais de trinta minutos de filme. Os (possíveis) finais sucedem-se sem, no entanto, se concretizarem, mexendo com a audiência. O neozelandês consegue o que quase todos querem como poucos o sabem. Quem chora no final de The Return of the King não o fará, certamente, de tristeza; fá-lo de alegria perante a mestria que acabou de presenciar e porque percebe que uma das mais formidáveis aventuras do Cinema chegou ao fim. Quanto a mim, confesso admirador da obra, escrevo sobre The Lord of the Rings com um carinho que não reservo frequentemente - excepto, talvez, para CASABLANCA, PULP FICTION, e mais um punhado de fitas. A razão é simples, foram estes os filmes que me fizeram apaixonar pela Sétima Arte. E eu, que também chorei da primeira vez que o vi, saio sempre da experiência levemente iluminado. O mal, esse, está já feito e consumado: não mais abandonei a sala escura e a luz do projector que a rasga. É lá que mora a minha Terra Média.

António Tavares de Figueiredo

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THE HOBBIT: AN UNEXPECTED JOURNEY, outra das obras de Tolkien, novamente adaptada ao grande ecrã por Peter Jackson, estreia em Portugal esta quinta-feira, 13 de Dezembro.

3 comentários :

  1. O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel: 4*

    Gostei bastante da história de "O Senhor dos Anéis - A Irmandade do Anel" e conseguiu cativar-me, o argumento de "The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring" estava bem construído e todas as personagens me cativaram à sua maneira.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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  2. O Senhor dos Anéis - As Duas Torres: 4*

    Gostei bastante do desenrolar da história de "O Senhor dos Anéis - As Duas Torres" e adorei o seu argumento coeso, todo o seu conjunto serviu para aguçar a vontade para ver o próximo e último filme desta trilogia bélica e bastante conhecida.

    Cumprimentos, Frederico Daniel

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  3. E finalmente terminei a trilogia com O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei: 4*

    "O Senhor dos Anéis - O Regresso do Rei" é o filme mais longo da trilogia, mas é o menos parado e menos aborrecido dos três e isso agradou-me.
    "The Lord of the Rings: The Return of the King" é o derradeiro filme desta trilogia que recomendo que vejam, eu gostei e sei que marcou a história do cinema.
    Btw, parabéns pelo vosso artigo.
    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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