domingo, 6 de janeiro de 2013

A vida em praias

Ao sexto dia, a primeira epifania cinéfila do ano. E logo pelas mãos - ou melhor, pela câmara - de uma velhinha octogenária. De estranhar, não fosse a idosa em questão dar pelo nome de Agnès Varda, uma das derradeiras representantes do Rive Gauche, movimento artístico contemporâneo da Nouvelle Vague. Nas quase duas horas de LES PLAGES D'AGNÈS, realizadas, escritas e narradas por esta Senhora Cinema, sempre viva e bem-disposta, ensina-se muito sobre Arte, e não só, a miúdos e graúdos.


Agnès aborda oitenta anos de vida através das praias que visitou e onde viveu. Da fuga da Bélgica para uma cidade costeira francesa - imortalizada em alguns dos seus filmes -, das areias Californianas às da ilha que pisava frequentemente com o marido Jacques Demy. Dos tempos que viveu em Paris e das fitas que dirigiu na sua rua de lá. Oitenta anos de histórias que recorda com maravilhosa delicadeza e liberdade, recusando, contudo, prender-se ao saudosismo e a nostalgia. Ou não fosse a sua lente uma das mais activas de sempre, pronta a capturar a verdade das coisas e a injustiça escondida na sociedade. Momento particularmente tocante - e excepção à regra que tenta manter durante o filme - é aquele em que recorda os amigos que já partiram - vivos nas muitas fotografias que deles tirou, algumas em exposição -, entristecendo-se ao lembrá-los; ou quando fala dos últimos meses de Jacques Demy, por quem realizou Jacquot de Nantes, baseado na sua infância. Agnès tem muito a ensinar, sobretudo por achar ter ainda mais a aprender.

No Dia de Reis, e através de uma prenda de Natal - como é bom ter gente que sabe do que gostamos -, finalmente percebi que, quando crescer, gostaria de ser como Agnès Varda. Visitar as suas praias, perder-me na sua obra, entregar-me às causas como ela se entregou e ainda entrega. Mas receio que tal me esteja vedado; a mim, ou a qualquer outro que o tente. É que Agnès, como todas as figuras da sua envergadura, é impossível de emular, única nas suas particularidades, virtudes e defeitos. A ela - e a quem me ofereceu o DVD, edição da Midas Filmes - um muito obrigado!

António Tavares de Figueiredo

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