Acabado de sair de BEFORE MIDNIGHT, não deixa de ter a sua certa piada que um jovem casal tenha decidido sentar-se na mesa atrás da qual componho estas linhas. Passe a indelicadeza de escutar conversas alheias, lembro-me imediatamente do almoço grego do filme, "regado" a histórias trocadas entre casais em diferentes fases de relacionamento, quando os ouço falar de amor eterno. Da rapariga que do alto dos seus twenties nega a sua existência - antes que a viúva a cale (a ela, e a todos) com a fugacidade da memória do falecido marido - ao patriarca que afirma que no casamento a paixão é substituída pelo pragmatismo de quem cuida do parceiro.
A aceitar essa visão mais prática -e cínica - do tema, Jesse e Celine guiam-se já pelas regras da conveniência. O entusiasmo do boy meets girl, boy loses girl, boy gets girl back dos primeiros capítulos deu lugar à responsabilidade de uma união com duas filhas, mais um do casamento anterior. Sem a liberdade que a família tira, não ensaiam com tanta frequência o charme juvenil e a sexualidade despreocupada de quem abandonava comboios com desconhecidos e perdia voos de regresso a casa por uma noite com amantes recuperados. As personagens de Hawke e Delpy - que, diga-se, são os papéis das suas carreiras - não são as mesmas desses tempos de juventude; ou, melhor, sendo-as, envelheceram (mas sem, necessariamente, amadurecerem). E ainda bem. O espectador que as acompanhou ao longo destas quase duas décadas - importa realçar o tempo que passou desde a primeira noite em Viena - não continuará, certamente, o mesmo. Confirma-se, pois, aquela que julgo ser a característica mais interessante do Cinema de Richard Linklater, a sua rara capacidade de evoluir com as personagens a que se dedica.
Outrossim, reforça-se algo que não me canso de defender: o cineasta norte-americano é um dos grandes auteurs - e um dos mais multifacetados, também - em actividade. De um lado temos o Linklater das trips ácidas, de Dazed and Confused e A Scanner Darkly; do outro, o de câmara rohmeriana, o contador de estórias e explorador de intimidades que tenta congelar a vida em celulóide. Menos certo parece-me, contudo, decantar esses seus dois lados. Ou se tal, mesmo querendo-o, seria sequer possível.
Essa subtil complexidade do trabalho de Linklater manifesta-se com especial força na passagem dos enquadramentos partilhados - a norma nos anteriores filmes e na primeira parte deste - para o esquema de campo-contra-campo adoptado durante a discussão do casal. Nesses momentos em que tudo quase se desmorona - quase? - revela-se a dolorosa verdade que, apesar de indiciada logo desde o início, o espectador escolheu ignorar: há algo de errado no relacionamento entre Jesse e Celine. Ele, onanista, fantasia nos livros que escreve com a sexualidade de outras aventuras (continua um teen americano, como Celine, às tantas lhe diz). Ela, frustrada com a sua ausência, ressente-se desse seu lado fetichista. Já não há romantismo, só desgaste.
O jovem casal que partilhava o pátio comigo já se foi, deixando-me a sós com estas linhas. Revivo mentalmente - com todas as liberdades que o Cinema me permite - a cena final que tenta, mais do que recompor, redimir aquelas personagens por quem me apaixonei, já lá vão alguns anos. E o magnífico travelling-out - todo o filme goza, aliás, goza de uma direcção de fotografia belíssima - que me "puxou", uma vez mais, das suas vidas. Tento resolver a questão central que Before Midnight coloca: será possível ser-se fiel (ao outro, a nós) sem, no entanto, o ser? Não consigo encontrar a resposta. Sei apenas que, a acabar na Grécia, o mais trágico dos destinos - e, voltando ao tal almoço grego, já lembrava um dos convivas que foram os gregos a inventar a Tragédia -, não podia pedir melhor conclusão para a história de Jesse e Celine. Mas a porta, essa, ficou aberta a um novo reencontro. Por agora...
Realizador: Richard Linklater
Argumento: Richard Linklater, Julie Delpy, Ethan Hawke (baseados nas personagens de Richard Linklater e Kim Krizan)
Intérpretes: Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick, Walter Lassally, Ariane Labed, Yiannis Papadopoulos, Athina Rachel Tsangari, Panos Koronis
Música: Graham Reynolds
Fotografia: Christos Voudouris
Género: Drama
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