Não é raro ficar-se amigo de um entrevistado, ultrapassadas as formalidades do questionário. Mais raro é, no entanto, ter a oportunidade de entrevistar um amigo à partida, alguém com quem já partilhamos experiências em comum. A propósito da estreia de FONTELONGA - obra belíssima sobre uma aldeia portuguesa - no Black & White 2013, lançamos o repto ao Luís Costa: falar-nos do seu filme como se não nos conhecesse. Acompanhado por Simon de Sousa, um dos produtores - e a poucas horas de subir ao palco do Auditório Ilídio Pinho para receber o Prémio do Público para a Secção de Vídeo do festival -, Luís aceitou o convite. Fica o resultado da conversa naquela esplanada ventosa, onde se relembraram caminhadas de regresso ao Porto "alimentadas" por Bergman e Malick, o Cinema e, acima de tudo, esse «milagre da memória» que se traduz na sua fita de estreia.
Luís Costa: Olha, engraçado que perguntes isso. Estávamos a acabar um trabalho - um ensaio sobre o tempo - para uma das cadeiras da universidade, e estávamos a caminho das bombas para comprar tabaco, não sei se te lembras...
Simon de Sousa: Tu disseste-me isso quando estávamos naquele café à beira da praia.
LC: Mas ali estávamos a comprar tabaco na BP, e estávamos a falar do meu avô e de não-sei-que-mais, e pensei "vou fazer um filme sobre o meu avô". Ele [o Simon] disse-me para primeiro pensar naquele, mas lá fiquei com o bichinho do FONTELONGA. Ainda não tinha acabado o ano, e já estava a equipa convidada para fazer o filme.
Começas a tua carreira com um documentário. É um registo no qual gostarias de continuar?
LC: Quero realizar mais documentários, mas não sei se é o formato no qual quero ficar definitivamente.
Mas mais sobre Fontelonga?
LC: Não, isso não. Já chega. Encerrei o capítulo sobre Fontelonga; e bem, creio.
Na apresentação do filme falaste de outra ideia muito interessante, o «milagre da memória». Que floreamos momentos da nossa infância, fazemos dos nossos avós heróis e guardamos uma ideia do passado que pode não corresponder exactamente ao que realmente se passou. De que forma sentes, ao filmar um lugar que te viu crescer, esse peso?
LC: Naturalmente, como muitos sabem, Fontelonga já foi uma terra cheia de vida. E eu, quando era miúdo, vinha com o carro cheio de fruta, cheio de tudo: era azeite, batatas... A transição para um aldeia deserta foi muito rápida - é essa a noção que tenho desde novo. E parece-me que foi desde que o meu avô morreu que a aldeia também começou a morrer. E com a aldeia a ficar deserta a minha preocupação era redimi-la uma última vez. Uma aldeia que era grande e que nunca mais ninguém vai dizer que conseguiu ser grande, percebes? Foi tentar, pelas palavras da Maria José, dizer que aquilo já teve vida, e tentar lembrar a aldeia num último momento, lembrá-la no discurso dela - no presente - aquilo que já foi.
Sentes o teu filme como uma espécie de elegia à aldeia, um canto-de-cisne da ruralidade portuguesa, ou mais como uma tentativa de usar a própria memória para a fixar?
LC: Acho que é uma mistura dos dois. Acho que é uma mistura perfeita dos dois. É tentar fazer jus à aldeia. Aliás, quando começamos, eu pensei "se calhar, isto vai ser muito centrado no meu avô", mas passou a ser um filme sobre a morte das aldeias de Portugal. E passou a ser um filme de Fontelonga. E depois passou a ser, digo eu, uma coisa universal.
FONTELONGA acaba no cemitério, num plano magnífico. É uma metáfora para a morte da própria aldeia?
LC: Curioso que perguntes isso. Não sei se te posso responder à pergunta. O filme, numa primeira versão, não terminava assim. Nem tenho bem a certeza onde é que o tal plano encaixava. Mas depois de o vermos ficámos com a sensação que precisava de um ponto final. Fomos mexendo, e...
SdS: E nada.
LC: Exacto, e nada. Há coisas que não precisam de explicação.
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