Adaptar uma adaptação musical, e passe a redundância, de um romance intemporal assumia-se, já de si e sem mais complicações, uma empresa de proporções desmedidas. Ao contrário do outro - o de Bille August, datado de 1998 - o LES MISÉRABLES de Tom Hooper é baseado na peça da Broadway originada pela obra homónima de Victor Hugo. São Jean Valjean, Javert e companhia cantantes - ao vivo, ou melhor, durante a rodagem, um dos mecanismos mais interessantes introduzidos na fita -, melodramáticos e percorridos por um sentimentalismo amiúde exagerado.
À primeira vista - e logo durante a primeira meia-hora de filme - é fácil perceber que toda a gente ali se sente intimidada com alguma coisa: as personagens com outras personagens, a câmara com a dimensão da história e os actores com a câmara que insiste em segui-los sem descanso. Mas, no fundo, tudo se resume à falta de unhas de Tom Hooper para esta guitarra. A incapacidade em enquadrar - que se manifesta, entre outras coisas, pela tal câmara que raramente pára - traduz-se numa direcção hiperactiva que, mesmo sem o querer, ofusca os actores. Só quando Hooper acalma os seus ânimos e filma de forma mais ou menos estática é que o melhor da fita vem à superfície, caso da absolutamente arrepiante - e um dos seus melhores momentos - I Dreamed A Dream cantada por Anne Hathaway na mais pura das intimidades.
Esses breves sintomas de qualidade provam a força do romance de Victor Hugo e o potencial que ficou por aproveitar - sobretudo com tão generoso orçamento - nesta sua transposição para o grande ecrã. É nos planos dos indigentes e dos estudantes revolucionários nas ruas de Paris que acaba por se encontrar o melhor de Les Misérables, precisamente - e pasme-se - na sua representação da miséria. E quando se tem à disposição tamanho talento nos departamentos - figurino, fotografia e direcção artística superiorizam-se - e no elenco reunido, já para não falar do material que lhe serve de origem, a obrigação é sempre de fazer melhor. Infelizmente, e não obstante os raros mas belos momentos que cria, Tom Hooper sucumbiu ao peso dessa obrigação, atrapalhando-se no (des)equilíbrio criativo que tenta manter.
No final, os miseráveis continuam miseráveis, mas redimidos. A luz brilha no Paraíso - as barricadas, agora enormes e assomadas de gente - e canta-se a música dos que viverão de novo em liberdade; sinal da quebra com o Destino fatalista ao qual se submetiam em vida. E apesar de sobrar a consciência da mediania de Les Misérables como filme - e haverá, como sempre e ainda bem, quem discorde desta análise -, sai-se da sala a assobiar os temas que lhe dão vida e profundamente emocionado pelo que se acabou de ver. É o enlevo da canção que se faz ouvir - capaz de toldar o julgamento em toda a sua beleza e paixão -, manchado pela constante necessidade da realização de provar o seu valor.
Realizador: Tom Hooper
Argumento: William Nicholson, James Fenton (baseado no musical de Claude-Michel Schönberg e Alain Boublil, baseado no romance de Victor Hugo)
Intérpretes: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Samantha Barks, Daniel Huttlestone, Aaron Tveit, Isabelle Allen, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter
Fotografia: Danny Cohen
Género: Drama, Musical, Romance
Sem comentários :
Enviar um comentário