Saio do carro a correr. Porra, o primeiro dia e já estou atrasado! Levanto a acreditação de imprensa - e vejo na mesa a do Junior, que só deve chegar lá para sexta -, e olho para o relógio. Com a brincadeira de ficar na faculdade a falar do campeonato do Porto já não vou a tempo da sessão das 15h00. Menos mal que são os vencedores do ano passado (conheço-os quase todos). Aproveito para conhecer o campus da Católica.
Ou assim contava fazer. Mal saio do edifício das Artes esbarro com uma cara conhecida. O Luís continua o mesmo: magro, com barba e sempre apressado. Pergunta-me se vou à sessão de sexta à noite, que não posso faltar. Mas que raio há de tão importante na sexta à noite? Vai apresentar a curta dele, diz-me, que tenho mesmo de ir. Deixo-o descansado: na sexta até o Junior, amigo em comum, vai! Despede-se - tem sempre muito que fazer - e marca um café para um dos dias do festival. Desisto de dar a minha volta de reconhecimento. Vou é procurar um sítio para me sentar e dar uma vista de olhos pelo programa, que isto de cobrir um certame sem saber ao que se vai não tem jeitinho nenhum.
A Católica é agradável nesta altura do ano. Encontro um banco aquecido pelo Sol e ponho-me a folhear o catálogo. Lá está o Luís Costa e o seu FONTELONGA! Foda-se, não lhe pedi uma entrevista para o blog. Enfim, alguma coisa se há-de arranjar. Recebo uma mensagem. É do Xico, outro dos amigos a estudar na área. Promete-me, também ele, um cafezinho, mas só a partir de amanhã: hoje não tem aulas. Olho novamente para o relógio. Está quase na hora da sessão das 17h00. Decido-me a encontrar a sala.
O auditório não é difícil de encontrar. Mas tenho de descer não-sei-quantos lanços de escadas com uma mala pesadíssima. Entro, escolho um lugar, e, para minha surpresa, mais um reencontro. No palco, diante de mim, uma cara conhecida das fitas nos Passos, Meca dos cinéfilos portuenses. Trocamos "olás", separados por filas de cadeiras, que o tempo não permite outras cortesias. Cabe-lhe apresentar a artist talk de Tomé Quadros, prata-da-casa e jurado nesta edição do Black & White. Fala-se de Macau, de macaístas e macaenses, do choque-transformado-em-fusão cultural, dos Dóci Papiaçam di Macau. E passa-se aos filmes, que são o que verdadeiramente importa.
O trabalho dos Dóci Papiaçam di Macau lembrou-me, quase de imediato, duas coisas: uma foi o teatro chinês, super-exagerado e altamente estilizado, de que Guerra da Mata fala em A Última Vez Que Vi Macau, seu e de João Pedro Rodrigues; a outra, a teoria da fixação do teatro, defendida por Manoel de Oliveira. Mas se a primeira é rapidamente comprovada à medida que as fitas - na sua grande maioria falsos-trailers, auto-satíricos na utilização de estereótipos e lugares-comuns - vão passando, a segunda cedo cai por terra. É que aqui o Cinema não terá tanto o objectivo fixar a obra, como de expandir, através da multimédia, a mensagem do grupo: a preservação do Patuá macaense, o crioulo local.
Reduzidos ao chiste mencionado na apresentação, os trabalhos dos Dóci Papiaçam di Macau, não obstante o seu valor na divulgação de uma identidade cultural muito própria, acabam por se reduzir à curiosidade que encerram em si, enquanto paródias assumidas. Mais interessante pareceu-me, contudo, um dos documentários do próprio Tomé Quadros - em antevisão no início da sessão -, CHÁ GORDO, sobre a prática social que reúne à mesa as famílias macaenses. Aguardo com algum entusiasmo a oportunidade de o ver.
Pausa na programação. E novo intervalo alargado. Começo a pensar no formato a dar à cobertura do festival. Que se lixe, vai ser uma crónica! Começo a desenhar, mentalmente, estas linhas. No Bar das Artes tiro da mala o fiel caderninho - companheiro de rascunhos - e escrevo não sei quantos parágrafos que sei necessitarem de séria revisão quando me apanhar no conforto de casa. Reconheço uma outra amiga (mais uma!), esta mais antiga. Não sabia que conhecia tanta a gente a estudar por estes lados. Vem na minha direcção; ainda bem, não me apetecia nada ter de me levantar para fazer o caminho contrário. Pergunta-me o que faço por aqueles lados, que decerto não estudo ali, ou já me teria visto. Mostro-lho a acreditação e falo-lhe do blog, meio orgulhoso do feito. Pá, deixa de ser parvo, a conversa não lhe interessa, penso para mim. Ela senta-se, contudo, à mesa, admiradíssima por eu editar uma página sobre Cinema. Pomos a conversa em dia, até que alguém a chama. Outro café prometido. Decido guardar o caderno e ir esticar as pernas.
Mal passo a porta que dá para o exterior cruzo-me com o Nuno Reis, do Antestreia. Ficamos a fazer horas cá fora até ao início da sessão da noite. Filmes em circuito comercial, críticos de eleição na blogosfera nacional, festivais e eventos a acompanhar, resenhas em atraso nos respectivos espaços, passam-se todos os tópicos da praxe em revista. Já não nos víamos há largos meses - desde o Fantasporto - e assunto não falta. A malta começa a entrar. Os filmes vão começar.
A edição deste ano abre com 89 MM OD EUROPY (Polónia,1993), de Marcel Lozinski, nomeado em meados da década de 90 ao Oscar de Melhor Curta-Metragem Documental. Escolha interessante. Trabalhadores dos caminhos-de-ferro a trocarem as rodas as carruagens enquanto os passageiros os observam (um deles fotografando-os). A primeira associação que vem à cabeça é o Cinema Novo, trazido pelas Novas Vagas, carregado de consciência social. Findo o filme, apresenta-se o festival e o júri deste ano. Batem-se palmas de minuto a minuto. E corta-se para os seis títulos a concurso nesta primeira leva.
WARMTH (Bielorrússia, 2010), de Victor Asliuk, é, apesar do título, um filme frio. Ambientado numa fábrica de botas, oscila entre grandes-planos fechados na cara dos trabalhadores e uma visão mais distante do vapor que preenche o espaço. Aliás, é nesse fumo ubíquo que o melhor do filme se descobre, na visão impessoal - mal contrariada pelas pessoas, próximas de ferramentas - daquele mundo industrial. Igualmente frio pareceu-me NEST (Geórgia, 2011), de Tornike Bziava. Dele destaco a solidão inicial do protagonista, um velho viúvo com um filho divorciado, e um plano extraordinariamente belo: o pai, sentado na cama, aperta a gravata ao filho, num dos gestos mais íntimos possíveis.
Bem mais alegres são THE FEAST (Alemanha, ?), de Boris Seewald, e FROM DAD TO SON (Alemanha, 2011), de Nils Knoblich. O primeiro, experimental, cola várias coreografias num espectáculo visual frenético e, diga-se com toda a justiça, feliz. O segundo, animação paralelepípeda, história de um pai agricultor com o filho preso, conseguiu deixar-me com um sorriso nos lábios, apesar das óbvias limitações técnicas.
O primeiro português a competir, Vasco Mendes, surpreendeu pela positivo. O seu FOR THOSE WHO STAY (Portugal, ?) terá sido, porventura, o melhor do dia. Muito graças aos magníficos planos em contra-luz daquele bar de aeroporto, onde a despedida é para os que não embarcam. Nem o facto de, no final, parecer um anúncio a uma qualquer marca de cerveja o prejudicou: quem filma assim merece o maior dos elogios. No pólo oposto ficou LOOKING FOR SOMETHING (PART ONE: A WINTER VISIT) (Alemanha, ?), de Fjodor Donderer, feito entre imagens granuladas e uma pretensiosa narração filosófica-ambiental. A retórica ficou, no entanto, longe de convencer.
António Tavares de Figueiredo
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