terça-feira, 21 de maio de 2013

The Great Gatsby (2013)

Diz uma publicação recente num espaço online português dedicado ao Cinema: «Mas atenção, não gosto de me deslumbrar com isso [efeitos especiais], nem tão pouco prestigiar um filme por essa vertente, embora claro que possa constatar o bom trabalho realizado nesse campo. Normalmente neste tipo de discussão faço um esforço e prefiro, numa perspectiva, avaliar a história e a sua adaptação, noutra, o aspecto inovador da realização. O resto é puramente acessório na maioria dos casos.». A reflexão serve de excelente ponto de partida para a análise a THE GREAT GATSBY, de Baz Luhrmann. E não é preciso muito para perceber o motivo. Ou não fosse Luhrmann um dos grandes cineastas do deslumbramento, das elaboradas encenações visuais, do bigger than life cinematográfico. E não descrevesse, também, o romance de F. Scott Fitzgerald a opulência de uma sociedade, pouco preocupada com gastos e excessos.


(Sobre a publicação, um aparte. Se é verdade que concordo com o que se escreveu no Caminho Largo - sítio de destaque na blogosfera portuguesa, editado pelos irmãos Teixeira -, também o será que reservo na minha abordagem ao Cinema um lugar mais do que «puramente acessório» para os efeitos especiais. Mesmo que os considere por vezes, exagerados e algo descabidos no contexto da história.)

Mas comecemos pela câmara de Luhrmann. Nem de propósito, escrevi há poucas semanas sobre Spring Breakers, de Harmony Korine. E nem de propósito porquê? Passo a explicar: a lógica videoclipe que Korine explode no seu girls gone wild é a mesma que serve de base ao estilo visual de Luhrmann. Claro que podemos discutir que o australiano a utiliza melhor, mais consistentemente ou de forma mais refinada - e parece-me que sim, a todas as alíneas -, mas a ideia que a sustenta não deixa de ser a mesma. A música omnipresente, os ralentis ad nauseam, a montagem, a trechos, histérica, tudo se conjuga na visão super-excitada saída (e mantida pelas) das novas MTVs.

Olhando para trás, não surpreende que Luhrmann (ainda) faça uso desses mecanismos. Primeiro, porque resultaram em filmes como Romeo + Juliet e Moulin Rouge! - Australia salta à vista como o "patinho feio" do conjunto -, naquele onanismo pop que tão bem caracteriza a sua obra; depois, porque, olhando ao que se escreveu em The Great Gatsby, seria expectável que os recursos se adaptassem à situação em causa. Mas do papel à prática a distância é, por vezes, grande demais. O romance de Fitzgerald é, já de si, tão exagerado - com as festas, as personagens, os sonhos - que, somando-lhe os artifícios deste Cinema, se torna simplesmente desmedido.

É esse exagero que esvazia a história. A exuberância histriónica dos décors, da banda-sonora anacrónica, da fotografia que se impulsiona no 3D - e lá está, de novo, o exagero - e no caleidoscópio colorido provoca um entusiasmo inebriante que distrai do argumento, tirado quase à letra do original. Não que haja nele alguma qualidade de maior - mesmo considerando a fidelidade à fonte -, mas o pouco valor possível de ser encontrado vai-se perdendo na folia. O que me leva a perguntar: será que, hoje em dia, interessa mais deslumbrar a audiência com um espectáculo visual megalómano do que com um texto inteligente e cuidadosamente pensado? Pelo que tenho visto ultimamente, começo a duvidar da resposta. Gostaria, ainda assim, de pensar que não se insulta o espectador de forma tão grave.

(Novo parêntese, agora sobre o argumento e a sua relação com o romance de Fitzgerald. Por muito que goste de The Great Gatsby - e gosto mesmo muito, ao ponto de o considerar o grande romance americano por excelência -, gosto ainda mais dos últimos capítulos, no filme resumidos em poucos minutos. Parece-me claro que não se soube muito bem o que fazer com o material à disposição. Só à luz dessa evidência se explica igualmente a necessidade de inventar um Carraway-narrador, a recuperar do alcoolismo através do reconto catártico da sua relação com Gatsby.)

Há, contudo, aspectos positivos a elogiar. A habilidade de Luhrmann chega-lhe para cobrir alguns dos defeitos da sua própria visão, imaginando algumas sequências - lembro-me, por exemplo, da within/outside de Carraway - razoavelmente inspiradas. Nenhuma, no entanto, superior ao grande plano fechado no brinde de Gatsby ao espectador, diante de um luxurioso fogo-de-artifício. Esse momento apenas, sintetizando o mundo de aparências no qual as personagens - e Leonardo DiCaprio divide-se particularmente bem entre sorrisos forçados e uma aparência de desconforto engolido - se movem, quase justifica o resto do filme.

Não se perdendo completamente, a adaptação de Luhrmann de The Great Gatsby sucumbe à obrigação de justificar o seu investimento. Naquela Nova Iorque pré-Crash, naquelas mansões separadas por uma baía, vivem-se falsas-vidas. «All New York, packed up in automobiles, went in the weekend - the all weekend - to that house». É precisamente nessas máscaras que a ideia de Luhrmann encontra maior correspondência no romance de Fitzgerald - contrastando com o simbolismo oco no qual frequentemente se deixa cair -, na solidão que Gatsby projecta mesmo entre as multidões. Numa sociedade coberta por máscaras, a de Gatsby calha apenas de ser a mais vistosa.


Título Original: The Great Gatsby (Austrália/EUA, 2013)
Realizador: Baz Luhrmann
Argumento: Baz Luhrmann, Craig Pearce (baseado no romance de F. Scott Fitzgerald)
Intérpretes: Leonardo DiCaprio, Carey Mulligan, Tobey Maguire, Joel Edgerton, Elizabeth Debicki, Isla Fisher, Jason Clarke
Música: Craig Armstrong
Fotografia: Simon Duggan
Género: Drama, Romance
Duração: 142 minutos


3 comentários :

  1. Espero ver o filme esta semana, mas pelo que tenho lido um pouco por todo o lado vou já sem grandes expectativas - pode ser que me surpreenda. Ah e obrigado pela referência ao Caminho Largo :)

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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    1. Nunca fui o maior fã do Cinema do Luhrmann (apesar de lhe reconhecer algum talento como autor). E isto é mais do mesmo, só que esticado aos limites do orçamento. Espero que, a ires vê-lo, não saias desiludido.

      Ora essa, o prazer é sempre nosso :)

      Cumprimentos cinéfilos,
      António Tavares de Figueiredo

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  2. Já o vi. Posso dizer que gostei, não me deslumbrando propriamente, longe disso. Mas é sempre bom ver algo diferente (não tanto assim mas enfim), algo próximo de autor, se é que se pode aqui chamar isso. A minha opinião (que não difere em quase nada da tua): http://caminholargo.blogspot.pt/2013/06/the-great-gatsby-2013.html

    Cumprimentos,
    Jorge Teixeira
    Caminho Largo

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