Andávamos todos distraídos com o que nos ia chegando do lado de lá do Atlântico - principalmente com Annabelle, de John R. Leonetti, mas já lá iremos -, quando nos apercebemos, quase de súbito, que o melhor Terror do ano provavelmente viria dos antípodas. E THE BABADOOK, de Jennifer Kent, que ia sorrateiramente conquistando crítica e público à sua passagem, cumpre exactamente essa promessa: é, simultaneamente, um dos filmes mais assustadores e belos do ano.
Ultrapassada a confusão inicial que um filme de Terror australiano e dirigido no feminino possa causar, cedo se percebe que só uma mulher (e, especialmente, uma como Kent) poderia realizar este The Babadook. Primeiro, porque Kent mostra uma sensibilidade rara no género (e nos homens do género); segundo, porque toda a obra é pensada numa perspectiva feminina. A prova está, precisamente, no confronto entre The Babadook e Annabelle: apesar dos pontos em comum que ambos partilham, Kent superioriza-se - a si, e ao seu filme - a Leonetti na destreza do seu desenho; onde Leonetti é, todo ele, mão pesada, Kent é elegante e ágil. Não deixa de ser irónico que tenha sido ela, e não Leonetti, discípulo mais directo, a interiorizar melhor os ensinamentos do mestre Wan.
Kent insere-se, assim, e mesmo que tardiamente, numa geração de cineastas que tentam devolver o Terror às suas origens - e, a esse respeito, não se terá afirmado também ela como uma das exegetas do género? -, prestando a devida homenagem a nomes como Mario Bava e Stanley Kubrick. Ao representar o seu bicho-papão como algo que poderia facilmente ter saído do Expressionismo germânico (e Babadook apresenta profundas semelhanças com Nosferatu), ensaia um regresso do género aos seus primórdios, depurando-o das impurezas resultantes da passagem do tempo. The Babadook é, dessa forma, um filme muito puro, muito limpo.
Outrossim, Kent explora um outro elemento recorrente nos trabalhos da nova vaga do Terror: o seu Mal (ou, antes, a sua personificação do Mal), além de precisar de um ancoradouro físico que lhe permita manifestar-se, é intrínseco às próprias personagens. Note-se que a verdadeira opressão não será tanto ao nível da presença da criatura (e aqui torna-se complicado descobrir quem veio primeiro, se a criatura, se o criador), mas na relação entre mãe e filho (dela, pela morte do marido; dele, pela ausência de Amor genuíno) e na luta pelo estabelecimento de fronteiras e controlo sobre a outra parte. O primeiro acto do filme é particularmente eficaz na demonstração dessa dinâmica familiar conturbada, antecipando, ainda antes do Medo, a agressão iminente. Os monstros podem, afinal, ser muito mais reais do que aquilo que se pensa.
Numa só palavra, a grande vitória deste The Babadook - e o que o eleva a Cinema de excepção - pode ser resumida na sua simplicidade. A simplicidade com que Kent tão bem explana o seu argumento e os motivos que esconde, movendo-se habilmente entre referências, das mais claras (os filmes que passam na televisão) às menos explícitas (a inversão genérica, mesmo que parcial, que opera em relação a The Shining, por exemplo). E se elogio as bases sólidas sobre as quais a nova geração do Terror norte-americano, com Wan e West à cabeça, constrói as suas obras, não poderia deixar de o fazer, igualmente, para esta australiana que agora se estreia nas longas-metragens. O futuro afigura-se risonho para Jennifer Kent.
Título Original: The Babadook (Austrália, 2014)
Realizador: Jennifer Kent
Argumento: Jennifer Kent
Intérpretes: Essie Davis, Daniel Henshall, Tim Purcell
Música: Jed Kurzel
Fotografia: Radek Ladczuk
Género: Drama, Terror, Thriller
Duração: 93 minutos