terça-feira, 3 de julho de 2012

Anonymous (2011)

Já não há nada sagrado neste mundo. Num tempo em que se ridicularizam Igrejas e cultos e se critica abertamente governos e celebridades (a liberdade de expressão a isso permite, e ainda bem) nem Shakespeare escapa ao escrutínio público. E se o mais famoso dramaturgo de todos os tempos não fosse o autor das obras que lhe têm vindo a ser creditadas? A ideia não é nova, mas deve ser a primeira vez que é adaptada ao grande ecrã. Em tempo de teorias da conspiração tudo serve para atrair o público. Brincar com a identidade de Shakespeare de maneira mais ou menos séria não é excepção. Mas comecemos pelo início.

Um táxi rasga as ruas a uma velocidade vertiginosa. Chove a potes. O carro pára à porta de um teatro e dele sai um homem já de certa idade que, ao que parece, está atrasado para uma representação. Sobe ao palco e apresenta ao público que o ouve a velha teoria Oxfordiana que afirma que William Shakespeare não foi, de facto, o autor das obras que lhe são atribuídas. Corta-se então para a história, e do teatro passa-se para a Londres do século XVI. A premissa, já apresentada, e o rumo do filme estão traçados. Foge-se ao estilo de whodunit (nem chega a ser um mistério a autoria das peças e sonetos) e envereda-se pela intriga política. Motivado pela sucessão do trono, Edward de Vere, Conde de Oxford, divulga as muitas peças que escreveu através de Ben Jonson, dramaturgo contemporâneo. O estatuto social do primeiro não lhe permite reclamar a sua obra, a necessidade do segundo em se manter longe da prisão torna-o o veículo perfeito para que tal aconteça. Entre eles anda Shakespeare, actor fanfarrão e quase analfabeto, bebendo e ganhando fama à custa dos dois. Elizabete está também longe da imagem de Rainha Virgem, parindo bastardos a torto e a direito. E por detrás de quase todos encontram-se os Cecil, pai e filho, conselheiros reais que ambicionam a subida de Jaime da Escócia ao trono inglês. Em teoria parece complicado, na prática é bem mais fácil seguir a teia do seria de esperar. Mesmo quando se metem pelo meio flashbacks que pouco mais fazem do que quebrar o ritmo da acção e divagações de gente bêbeda em pubs ora exultando, ora negando o génio de Shakespeare.

É engraçado encontrar Roland Emmerich longe do seu habitual "cinema-catástrofe". Não que o alemão seja um cineasta particularmente competente, mas longe do género que geralmente explora mostra ser capaz de apresentar um filme, pelo menos, mais sério do que os seus projectos anteriores. O orçamento continua astronómico e a direcção de actores mediana (os desempenhos variam dentro do elenco), mas Anonymous é mais do que gente famosa a tentar salvar o Mundo. Apenas Inglaterra, se tanto. Os pontos fracos da fita são contrabalançados com algumas decisões inteligentes, como a de colocar o veterano Derek Jacobi a narrar o prólogo. O figurino e a direcção artística são de louvar. A fotografia e o som também. Só onde a técnica não consegue chegar é que a obra treme um pouco, o suficiente para se estranhar a farsa e o enredo. O melhor que se pode dizer é que se acaba o filme com menos relutância em aceitar Shakespeare como uma fraude do que quando se inicia. O que sobra é estória.


Titulo Original: Anonymous (Alemanha/Reino Unido, 2011)
Realizador: Roland Emmerich
Argumento: John Orloff
Intérpretes: Rhys Ifans, Vanessa Redgrave, Sebastian Armesto, Rafe Spall, David Thewlis, Edward Hogg, Xavier Samuel, Sam Reid, Jamie Campbell Bower, Joely Richardson
Música: Harald Kloser, Thomas Wanker
Fotografia: Anna Foerster
Género: Drama, Histórico, Thriller
Duração: 130 minutos


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