sábado, 20 de outubro de 2012

Cosmopolis (2012)

«A specter is haunting the world.»

Em raras ocasiões um filme foi tão esperado em Portugal como COSMOPOLIS, de David Cronenberg. Uma co-produção portuguesa, através da Alfama Films de Paulo Branco, o filme marcou o regresso do cineasta canadiano à sua marca autoral mais óbvia. Não que a ruptura total se tenha consumado com o anterior A Dangerous Method, mas notava-se um claro afastamento em relação ao corpo de trabalho desenvolvido até então. Neste conto sobre um jovem bilionário que atravessa a cidade num dia particularmente conturbado para cortar o cabelo retomam-se temáticas tão características de Cronenberg como a deformação dos indivíduos (pelo body horror que o cineasta sabe explorar tão bem), a paranóia crescente e uma análise da influência da tecnologia na sociedade.

O olhar de Cronenberg incide, frio e calculista, na vida de Eric Packer (Robert Pattinson) hermeticamente contida na limusina branca que o isola do mundo exterior. O egocentrismo - e a inconsciência - do protagonista traduz-se no seu desejo em atravessar a cidade sabendo que as ruas se encontram obstruídas e que a sua vida se encontra em risco. O Presidente está de visita à cidade e anarquistas reúnem-se na rua, manifestando-se de ratos mortos na mão (o filme abre com uma citação retirada de um poema de Zbigniew Herbert - «a rat became the unit of currency» - que se tornaria ideia recorrente durante o filme), mas isso pouco interessa ao jovem bilionário enclausurado no seu veículo. Especular é um hábito difícil de perder, e Eric já não fica satisfeito ao brincar apenas com os mercados e as moedas; especula também a sua vida, ignorando ameaças e cedendo aos seus impulsos mais animais. É interessante observar a progressão da sua paranóia - a obsessão com a saúde manifestada pelo check-up diário feito por um médico diferente do habitual - e a passagem de ambientes limpos e cuidadosamente desenhados (o seu Mundo) para o caos das ruínas urbanas manchadas pela sujidade e doença (o Mundo exterior). É nessa transição que o filme ganha ânimo e emoção e se dá o derradeiro empurrão na estória que a precipita para um fim já anunciado.

A inexpressividade de Pattinson como actor funciona em prol do filme e contagia o ambiente que o rodeia; não é genial, mas resulta. Por outro lado, separar a estória em vinhetas algo estanques resultou na necessidade de ter ao dispor uma quantidade considerável de personagens secundárias (aqui também se perde a noção de pessoas como pessoas, e não como objectos) que nem sempre são bem-aproveitadas. Gente como Jay Baruchel, Juliette Binoche, Samantha Morton ou Kevin Durand passa pelo filme, em desfile, sem conseguir deixar a sua marca. Sarah Gadon, quase tão estóica quanto Robert Pattinson, complementa bem a personalidade de Eric Packer, o seu marido, recusando, no entanto, a transposição para o seu universo (não chega a entrar na limusina). Surgem ainda Mathieu Amalric, como o assassino das tartes, no momento em que se faz a transição entre ambientes, aparição reduzida mas competente, e Paul Giamatti, fantástico, quando já se entrava no frenesim emocional que marcava o fim do filme. De todos, os três últimos são os que tornam as suas presenças mais notadas na película, indispensáveis para a mensagem pretendida.

Cosmopolis falha nalguns aspectos importantes, mais do que na utilização indevida de secundários de talento confirmado. Cronenberg, apesar da direcção analítica, falha em transmitir a sensação de claustrofobia ao interior da limusina; Packer sente-se confortável num espaço que tornou seu e que, apesar de o isolar, parece sempre demasiado amplo. Nota-se também um apego excessivo ao material original, o romance homónimo de Don DeLillo escrito em 2003, quando a crise económica e as consequências da especulação eram ainda um mero presságio; quase uma década depois, e com a recessão confirmada, é tudo muito familiar. Entre diálogos bizantinos e nem sempre inteligíveis, percebe-se que quem brinca com o fogo acaba por se queimar. Mesmo neste mundo assombrado por espectros.


Título Original: Cosmopolis (Canadá/França/Itália/Portugal, 2012)
Realizador: David Cronenberg
Argumento: David Cronenberg (baseado no livro de Don DeLillo)
Intérpretes: Robert Pattinson, Paul Giamatti, Sarah Gadon, Juliette Binoche, Samantha Morton, Kevin Durand, Jay Baruchel, Mathieu Amalric, Emily Hampshire
Música: Howard Shore
Fotografia: Peter Suschitzky
Género: Drama
Duração: 109 minutos


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