No meio do frenesim provocado pela presença de Manoel de Oliveira no Rivoli - muito a propósito dos setenta anos do seu ANIKI BÓBÓ -, não seria difícil ignorar que ao fundo das escadas se celebrava outro realizador português. E logo um dos mais influentes da sua geração. Quatro obras de António de Macedo foram exibidas durante o Fantasporto 2013, recordando aquele que foi o primeiro português a concurso em Cannes e um pioneiro técnico, tecnológico e temático no Cinema Português. Presença forte do Fantástico em Portugal, os quatro trabalhos de Macedo projectados no certame - datados de 1975 a 1993 - proporcionaram uma viagem maravilhosa a quem teve o prazer de os visualizar. Nós não fomos excepção: marcamos presença em três das sessões - escapou-nos a de O PRINCÍPIO DA SABEDORIA -, imersos naquele Universo fantástico tão nosso.
OS ABISMOS DA MEIA-NOITE, de António de Macedo (Portugal, 1984)
Escrever que OS ABISMOS DA MEIA-NOITE marcou a entrada de António de Macedo no domínio do esotérico, apesar de verdadeiro, poderá assumir-se como algo redutor. Até porque ficara para trás, quase há uma década, O Princípio da Sabedoria, um filme que deve igualmente muito ao Fantástico. Mas simplificando a questão ao essencial, e voltando à afirmação inicial, há claramente algo de místico em Os Abismos da Meia-Noite. Mesmo que não se consiga explicar a sua natureza.
Nesse aspecto em particular, Ricardo e Irene (Rui Mendes e Helena Isabel, respectivamente) fazem, dentro da fita, as vezes do público. Puxados para um mundo que lhes é estranho, são interrogados por uma personagem estranha, de vestes brilhantes, que tenta também ela perceber o que os levou àquele lugar. A recriação dos acontecimentos, através da memória dos dois intrusos, encontra paralelo no próprio Cinema enquanto objecto - não estará também o Magíster a ver um filme? -, um mecanismo que se tornaria frequente no trabalho de Macedo.
Essa posição bastante peculiar em relação ao Cinema, aliada a uma extraordinária compreensão do som - para a qual a música do filho, António de Sousa Dias, muito terá contribuído durante as suas colaborações - como dimensão própria, faz de Os Abismos da Meia-Noite um filme particularmente curioso - mesmo que, a espaços, pareça que se prolonga muito para lá do necessário - dentro da filmografia de António de Macedo.
Em Monte Maior há uma porta que se abre durante as doze badaladas da véspera de Natal. Cabe, no entanto, a cada espectador decidir se a recompensa justifica o risco de a ultrapassar. Quanto a mim, recomendo a aventura. (ATF)
OS EMISSÁRIOS DE KHALOM, de António de Macedo (Portugal, 1988)
Por vezes há que dar crédito ao produto nacional, que, embora não seja muito difundido e pouca gente lhe dê o mérito merecido - o bom Cinema português, de facto, existe - é, definitivamente, inovador e de qualidade. Uma das devidas homenagens vai para António de Macedo, realizador de diversos títulos da filmografia portuguesa, um verdadeiro pioneiro que introduziu no nosso país o Cinema Fantástico.
OS EMISSARIOS DE KHALOM é um exemplo desses trabalhos, onde o Fantástico é o principal tema, incluindo não só elementos históricos como também um tema diferente e ao Cinema português do século XX. Embora os elementos mais teatrais do filme possam afastar o mais comum dos espectadores, não deixa de ter o seu encanto, nem que seja pela novidade, tendo em conta o país e o ano de produção. (WJR)
CHÁ FORTE COM LIMÃO, de António de Macedo (França/Portugal, 1993)
Diga-se, logo a abrir, que CHÁ FORTE COM LIMÃO é um filme de Terror soalheiro e iluminado. Isso mesmo, caro leitor, bem diurno, à moda mediterrânica, com fantasmas trágicos e filósofos. E um casarão assombrado, com toda a espécie de convidados. E um jovem fatalista metido em duelos com rivais amorosos, uma moça impressionável e mais segredos e intrigas do que uma tarde no Parlamento.
Esse Fantástico bem nosso - e que nunca abandonou a obra do cineasta - transforma a última longa-metragem ficcional de António de Macedo num objecto de raro interesse. Há toda uma construção positiva por detrás da narrativa - manifestada igualmente pela luz que inunda a tela e pelos fades a branco - que teima em contrariar as convenções do género. E a fotografia de Manuel Costa e Silva - das melhores do Cinema Português, arrisco-me a avançar - muito terá ajudado nesse sentido.
Escreva-se, aliás, que todo o filme é um prodígio técnico, da música à direcção artística. Não deixa, contudo, de ser algo irónico que uma carreira como a de António de Macedo - tão ligada ao progresso e à inovação - encontre o seu término num drama de época. Mas quando o resultado prima pela excelência, pormenores desses podem dar-se ao luxo de ser ignorados. E Chá Forte com Limão é mesmo um dos grandes filmes portugueses dos anos 90. (ATF)
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