sexta-feira, 29 de março de 2013

The Day I Will Never Forget (2002)

Permita-me o leitor começar a resenha com um aviso. De amigo, está claro. THE DAY I WILL NEVER FORGET será, muito provavelmente, um dos filmes mais crus e brutais alguma vez filmado. Em particular uma cena a meio, das mais controversas do Cinema, que envolve a circuncisão semi-explícita de duas meninas. É, contudo, também uma obra de elevadíssimo valor, urgente de ser descoberta, vista e analisada. Não será - à semelhança dos restantes trabalhos de Kim Longinotto, sempre atenta na sua observação do Mundo -, portanto, algo para se tomar de ânimo leve.

Aviso feito, hora de ir ao que realmente interessa. No Quénia, milhares de raparigas são vítimas da circuncisão forçada do clitóris. Há quem lhe chame mutilação genital - e com toda a razão, acrescente-se -, mas Kim Longinotto prefere o primeiro termo durante o documentário. Através de trechos captados em diferentes situações - consultas médicas, uma tertúlia de mulheres que discute o assunto, uma audiência em tribunal e até mesmo dos próprios rituais -, a britânica vai expondo os diferentes lados da questão. De um lado, os que são a favor da tradição - e já Vera, de Sisters in Law, outros dos grandes filmes de Longinotto, dizia «My whole life has been spent fighting tradition» -, do outros, os que a ela se opõe através do ponto de vista dos direitos.

Mas se para o espectador ocidental, à distância e, à partida, sem qualquer envolvimento extraordinário, o problema seria facilmente solucionado, com os partidos a serem tomados rapidamente, nas sociedades patriarcais do Quénia e da Somália - mas em que as matriarcas não estarão, igualmente, isentas de responsabilidade - o tema dá pano para mangas. Pelo meio, há a já mencionada cena da circuncisão - coisa violentíssima, desaconselhável para gente impressionável -, auge da visceralidade - será? - na obra de Longinotto. Segue-se-lhe outro plano de semelhante força - e que, confesso, me custou ainda mais ver -, o de uma menina que declama um poema sobre a sua circuncisão. Esses quinze minutos de filme desarmam completamente o espectador; é impossível ficar-lhes indiferente.

Tradição versus razão. No final, as raparigas que não querem ser mutiladas ganham em tribunal. Com a Lei do seu lado, os pais já não as podem obrigar ao ritual. Algumas voltam para casa, outras preferem ficar longe. Quanto a mim, arrisco-me a avançar que The Day I Will Never Forget, pela sinceridade brutal a que Kim Longinotto nunca se escusa, terá sido um dos filmes que mais me custou ver. Absolutamente obrigatório.

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THE DAY I WILL NEVER FORGET será exibido hoje, dia 29 de Março, às 17h00, no Cinema Passos Manuel, no Porto. A sessão está inserida na retrospectiva dedicada a Kim Longinotto, que se prolongará até dia 30 de Março no Porto - com a presença da realizadora -, e migrará para Lisboa de 4 a 7 de Abril. Oportunidade única para assistir em sala a algumas das obras mais interessantes daquela que é uma das documentaristas mais proeminentes da actualidade.

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