segunda-feira, 29 de abril de 2013

8 ½ Festa do Cinema Italiano 2013: depois do aperitivo, os amuse-bouches?

Continuando o tema gastronómico, se os primeiros filmes de um festival podem ser considerados o seu aperitivo, as curtas-metragens serão amuse-bouches. Fitas para ver de um só trago e ir digerindo à medida que vão surgindo. Mas, como na culinária, também no Cinema a mão que mexe a panela tem a sua importância no resultado final. E se pudemos provar uma ou outra pérola gourmet - confeccionadas com os melhores ingredientes e a técnica mais apurada - entre os pratos seleccionados pelo 8 ½ Festa do Cinema Italiano, encontrou-se, igualmente, na ementa uns quantos menos comestíveis, faltos do cuidado exigido à cozinha deste calibre. Outro houve, ainda, que se revelou simplesmente estranho, inesperada iguaria, recomendável para gastrónomos de palato treinado e espírito aberto.

Perdoe-nos, o caro leitor, o anacronismo na habitual ordem da refeição - sobre isso, só podemos acrescentar que a ocasião faz o ladrão -, e desfrute do banquete preparado. Para ler - e comer - numa só dentada.

O bom.

Sempre me disseram que devia reservar no prato o melhor para o fim da refeição. Não fosse, no entanto, o apetite - o meu e o do leitor - perder-se nas espinhas encravadas na garganta, é exactamente por aí que me proponho começar. E logo com CARGO (2012), de Carlo Sironi, filme sobre as redes de tráfico de mulheres que operam na Europa. Ou, melhor, sobre uma dessas mulheres traficadas - a carga -, forçada a prostituir-se numa autoestrada. Se a temática tem sido recorrente nas vagas mais recentes do realismo social, Sironi surpreende, no entanto, pela forma como a filma, afastando-se do acto em si para se concentrar noutros problemas relacionados. Por isso não me admiro que o melhor do filme se encontre num momento de rara cumplicidade entre a prostituta grávida e o chulo/moço-de-recados que julga ser o pai da criança - e que belas interpretações de Lidiya Liberman e Flavius Gordea -, no qual ela lhe confessa que momentos antes lhe chamara stronzo em ucraniano. O melhor da selecção.

Não é difícil imaginar TERRA (2012), de Piero Messina, a ter sucesso em festivais. Pelo menos foi essa a sensação com que fiquei após o ver. O que pode indicar uma de duas coisas - e porque não um pouco de ambas? -: ou é, de facto, um filme muito bem feito, com valores de produção sólidos, ou deixa-se cair num pretensiosismo tal, que às tantas já ninguém percebe o que por lá se passa. Mesmo admitindo que Terra possa sucumbir ao peso da sua própria ambiguidade, é de louvar a inteligência de Messina na construção deste purgatório marítimo e a direcção de fotografia de Diana G. Palombaro, absolutamente deslumbrante. E esperar que a próxima obra do realizador se concretize em algo mais inteligível.

Menos conseguido do que os filmes anteriores - até pela maneira como foi filmado -, mas igualmente interessante, é LA COLPA (2011), de Francesco Prisco. Partindo da ideia de discriminação - com dois polícias a quererem revistar a mala de um indivíduo árabe - para a de preconceito inconsciente, com o advogado que defendeu o árabe a ser também ele levado por comportamentos semelhantes, Prisco explora de forma eficaz o medo irracional associado aos traumas de uma sociedade pós-9/11. Falha, contudo, na construção coerente da sua mensagem, ora negando a utilidade da estereotipagem, ora validando-a. Ultrapassando a condescendência - que tenta esconder sem sucesso -, revela-se uma obra curiosa, embora nem por isso mais necessária. Para mim, um bom menos, daqueles quase a passar para a negativa.

O mau.

CUSUTU ‘N CODDU (2012), de Giovanni La Parola, lembrou-me, pela paleta de cores de que dispõe, os acid westerns de Jodorowsky. Sirva a comparação como uma espécie de elogio - o único possível -, com as cores a dançarem nos limites do contraste e saturação. Pouco sobra desse exercício estético, propositado ou não, resumindo-se o filme a um chorrilho de disparates incapaz de o sustentar. O pior da sessão, e um dos mais indigestos do festival.

TRAINING AUTO GENO (2011), de Astutillo Smeriglia, peca, sobretudo, pelo seu humor brejeiro. Fora isso, funciona como uma engraçada abordagem à questão homens versus mulheres, embora nem por isso mais correcta - as mulheres querem todas casar-se, os homens só pensam em sexo -, tentando colocar em evidência algumas das diferenças entre os géneros. Não sendo bem sucedido no seu objectivo, essa ligeireza que assume logo à partida permite-lhe, pelo menos, parecer menos mau do que Cusutu 'n coddu.

O estranho.

Resistindo à tentação de incluir Terra nesta secção, não consegui o mesmo em relação a DELL' AMMAZZARE IL MAIALE (2011), de Simone Massi. Não que o filme seja péssimo, mas a imagética que manipula torna-o um exercício, no mínimo, bizarro e algo confuso. Personagens que se transformam noutras personagens, saindo do seu corpo, existindo nas suas sombras, espaços que são cães, travellings por camadas de estória - do mais desorientador que já experimentei em animação -, tudo na obra contribui para a formação de um objecto surreal, penetrante e intenso. O que me faz desconfiar que, provida de um significado concreto, a obra poderia ser ainda melhor; não o tendo, é apenas esquisita.

António Tavares de Figueiredo

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