Admito que é tentador comparar os primeiros dias de um festival de Cinema ao aperitivo de uma refeição. Ainda para mais, sendo o festival dedicado ao Cinema italiano - como é este 8 ½ Festa do Cinema Italiano -, país dado a estas aventuras gastro-cinematográficas. E com comensais habituados a comer tão bem - com os olhos, é claro -, a fasquia só poderia ser elevada.
Sirva-se, portanto, È STATO IL FIGLIO e L’INTERVALLO, obras de estreia a solo de Daniele Ciprì e Leonardo di Costanzo, respectivamente, aperitivos à altura para uma manjar satisfatório. Uma, a estória - ou será história? - de uma família tornada Estado, adepta de tornar desgraças em ganhos, a outra, prisão de dois adolescentes rechonchudos num prédio devoluto, cortesia da Máfia local. Sem indigestões - guardadas para ocasiões futuras -, está aberto o apetite!
Creio, não querendo ser injusto para com o autor, que o grande problema de È STATO IL FIGLIO reside no excesso de ambição cultivado por Daniele Ciprì na sua estreia a solo em longas-metragens. Não que a ambição, principalmente quando bem gerida, seja má (e já lá voltaremos), mas a sensação com que fiquei no final no filme foi a de um passo que, por ser claramente maior do que a perna, saiu em falso. E que, exactamente por não ter onde se apoiar, resulta num trambolhão.
Louve-se, no entanto, o tema escolhido por Ciprì - que acumula a direcção de fotografia com a cadeira de realizador -, bem como alguns dos mecanismos encontrados para o desenvolver. Principalmente o contador-de-desgraças, sentado numa repartição das Finanças, que conta a quem o queira ouvir a história de uma família de classe baixa seduzida pela promessa de dinheiro. A alegoria pensada, ao transformar a família num falso-Estado - que se endivida para saldar outras dívidas e "hipoteca" os próprios filhos a troco do bem-estar económico - perde-se, infelizmente, na impaciência de Ciprì em explorar, redundando em planos frequentemente inconsequentes e ângulos estrambólicos que não encontram justificação em qualquer opção estética coerente. È stato il figlio vale, ainda assim, pelo clímax - filmado com rara clarividência -, momento ímpar de intensidade dentro da obra. Pena que o resto se quede tantos furos abaixo. (ATF)
L’INTERVALLO, de Leonardo di Costanzo (Alemanha/Itália/Suíça, 2012)
Mas se há momentos escrevi que o excesso de ambição prejudicou a estreia a solo de Ciprì, o mesmo não posso dizer da de Leonardo di Costanzo, que a soube dosear melhor. O que faz com que L’INTERVALLO - talvez por ser anti-climático, e, por isso, não viver apenas para um momento - pareça um filme bastante mais equilibrado do que È stato il figlio, fazendo maravilhas de um espaço, à partida, limitador.
Influenciado pela estética neorrealista - e, já agora, pelo cinéma vérité, na câmara que, pela proximidade, provoca os sujeitos -, di Costanzo prende dois adolescentes num prédio abandonado e desprovido de qualquer personalidade. E que, de tão vazio, os obriga, enquanto ocupantes forçados daquele espaço, a interagir com ele, quebrando as suas limitações. Às tantas, imaginam que estão num reality show e levam flores a um fantasma que se julga vaguear pelos corredores quando anoitece. Há qualquer coisa de muito inteligente na obra de di Costanzo, na ideia de não querer ficar agarrado a convenções que não lhe servem. A Máfia aqui também não é a de outros filmes - a de Gomorra, por exemplo, de Matteo Garrone, um monumento do Cinema moderno à sua maneira, é um visão quase-hollywoodesca, com as personagens a citarem Tony Montana -, longe da violência que lhe é habitualmente associada, mais interessada em negociar os termos da libertação da rapariga (o rapaz só lá está para a guardar).
E já que estamos em maré de comparações - e voltando às linhas iniciais -, percebe-se que, em comunidades governadas pelo crime organizado, se consegue mais com menos. No Cinema, o caso é semelhante. E L'intervallo, não sendo perfeito, prova-o bem, especialmente quando comparado a filmes como È stato il figlio. No fim, sobram as decisões tomadas. (ATF)
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