Nunca imaginei acabar uma Páscoa a ver filmes de surf. O Porto Surf Film Festival trocou-me as voltas e proporcionou-me a inesperada oportunidade. Testemunho passado - e que bem passado - pelo Wladimir Jr. Ribeiro, calhou-me assistir às duas últimas sessões do festival. E não saí desiludido do auditório da Biblioteca Almeida Garrett.
A BROKEDOWN MELODY, de Chris Malloy (EUA, 2004)
Antologia de histórias e vivências ligadas ao surf enquanto filosofia - e, na sua maioria, afastadas da sua vertente competitiva -, A BROKEDOWN MELODY mantém grande parte das características geralmente associadas ao subgénero. Assumir-se-á, assim, como um híbrido entre documentário e fita de desporto, misturando narrações em voz-off com planos de gente a praticar a modalidade em vários pontos do globo.
Mas filmar da Jamaica ao Peru, envolvendo tantas localizações e pessoas diferentes, poderá ter-se revelado um projecto demasiado ambicioso. Nasce dessa multiplicidade de situações a sensação de uma fita algo desconjuntada, falta de um fio condutor claro e capaz de ligar todos os seus componentes. Ficam, contudo, a magnífica fotografia de David Homcy, Sonny Miller e Scott Soens - há momentos em que as cores quase extravasam os limites do contraste -, a banda sonora interessantíssima, com músicas de Eddie Vedder, Jack Johnson e Kings of Convenience, e a ideia de que A Brokedown Melody consegue, mesmo que apenas a espaços, ser um obra elegante e de rara beleza. (ATF)
SURFING WITH THE ENEMY, de Scott Braman e Adam Preskill (Cuba/EUA, 2011)
Dois cineastas norte-americanos a rodarem em Cuba; a ideia já daria, por si só, pano para mangas. Mas o que Scott Braman e Adam Preskill descobriram no seio da comunidade surfista cubana é algo de verdadeiramente incrível. O título, SURFING WITH THE ENEMY, apropria-se ao resultado. Resta é descobrir quem é o inimigo no meio disto tudo. Passem-se algumas linhais gerais do filme em revista, não se fosse despejar no leitor informação sem especial sentido: em Cuba, surfar, se não proibido, é visto com maus olhos pelas autoridades. O perigo de alguém se escapulir da ilha com a ajuda de uma prancha é grande - a distância para outros países, o Haiti, a Jamaica, ou até mesmo os EUA, não é enorme -, e desagrada os responsáveis de Havana. O medo é tanto, aliás, que não se pode, sequer, estar perto da praia à noite. Outrossim, as associações e organizações privadas não são permitidas. A comunidade surfista é, portanto, semi-clandestina, para além de pouco desenvolvida.
O que torna ainda mais caricato que a meio surjam uns quantos oficiais do governo - produtores de TV, historiadores e funcionários de ministérios - a gabarem o espírito empreendedor dos surfistas, apoiando a prática da modalidade. Percebe-se também daí o lado activista da obra - e o envolvimento de Lance Henriksen enquanto narrador -, expondo a paranóia de um regime, dirigida neste caso em particular contra um grupo relativamente restrito de pessoas. No final, explica-se o porquê de tanta rigidez: um membro do governo confessa que os surfistas pertencem à vanguarda da sociedade, associada à rebeldia e ao desejo de maior abertura. O medo deixa de ser que eles surfem para os EUA, para passar a que eles mudem Cuba a partir de dentro. Fechou-se com chave de ouro. (ATF)
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