Inicialmente uma encomenda do Curtas Vila do Conde, É O AMOR marca um afastamento de João Canijo em relação aos bairros sociais que se habituou a filmar. Talvez por isso pareça, à partida, mais alegre e luminoso do que essas obras passadas, objectos pesadíssimos - até pelas técnicas utilizadas para retratar a confusão desses espaços - e representativos de certa degradação.
Também por ser um documentário assumido se faz no sentido contrário ao do anterior Sangue do Meu Sangue, ficção com aproximação ao documental. Aqui é Anabela Moreira, a actriz - e logo uma das melhores da sua geração -, que se imiscui entre as "pessoas reais", na construção de uma personagem para um filme que não existe. Essa vontade de ensaiar um movimento diametralmente oposto ao que se lhe era esperado - mais na linha de Trabalho de Actriz, Trabalho de Actor, um making-of documental com a ficção [a necessidade de entranhar as personagens nos actores] como ponto de partida - será, porventura, o que de mais curioso se encontra em É o Amor.
Não se estranha, portanto, o à vontade com que Canijo documenta, filmando casamentos e momentos mais íntimos, quase como se nem estivesse ali - lá está a sua abordagem observacional a vir ao de cima, o seu lado mais fly on the wall -, deixando as emoções transparecerem sem recurso a artifícios de maior. Ou a sua capacidade de guiar o filme através da música, dando-lhe vida. Menos conseguidas são, contudo, as entradas de Anabela no seu video-diário, em contraste com o tom alegre do resto da fita, virtualmente desnecessárias do ponto de vista emocional, exactamente por estarem já bem definidas noutros trechos da obra. Veja-se, a título de exemplo, aquele magnífico zoom-out perto do fim - e que quase justifica, per se, as mais de duas horas de filme -, com Anabela a chorar no banco de trás da carrinha ao som de Zezé Di Camargo; ou ainda um outro, mais próximo do início, que a coloca isolada na lota. São esses momentos que, demonstrando a rara habilidade de Canijo em captar com a câmara momentos extraordinariamente fortes, melhor ilustram as diferenças entre a actriz citadina e as mestras que acompanha.
Houve alguém que, no final da sessão - que contou com a presença do realizador e do elenco -, comparou a obra a Douro, Faina Fluvial, de Manoel de Oliveira. E não sem a sua razão, acrescente-se. Mas é precisamente na diferença entre as duas obras - que é como quem diz, na recusa de Canijo em abdicar completamente de uma dimensão artificial - que É o Amor falha. É quando se subtrai às Caxinas e se coloca a câmara na mão de Anabela que mais se sentem os defeitos da visão planeada e se duvida da qualidade do que se tem pela frente. É preciso voltar às mestras, com Sónia Nunes à cabeça, a alma do filme, para se recuperar o encanto, por momentos perdido, do Amor sobre o qual tanto falam.
O que me leva a uma última conclusão: acho que, à semelhança da Anabela, ainda não compreendi totalmente o que isto do Amor. Mas, porra, até eu o acho lindo!
Realizador: João Canijo
Argumento: João Canijo, Anabela Moreira
Intérpretes: Anabela Moreira, Sónia Nunes, Cassilda Pontes, Paula Saraiva
Género: Documentário
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