quinta-feira, 13 de novembro de 2014

John Wick (2014)

Continuo a achar curioso quando alguém que habitualmente desempenha outras funções no Cinema decide dar o salto para a realização. Não se trata de nenhuma aversão prévia ou de qualquer outro tipo de preconceito, atenção; apenas gosto de tentar perceber o domínio da linguagem cinematográfica, nos seus diferentes aspectos, de quem transita de uma determinada tarefa para a outra. David Leitch e Chad Stahelski, que se estreiam na direcção com JOHN WICK, começaram como duplos.


Leitch e Stahelski deixaram de ser, pois, os homens à frente dos homens, mas atrás das câmaras, passando, simplesmente, a homens atrás das câmaras. A transição não foi, de todo, infeliz: John Wick, por ser o enorme bailado de pancadaria que é, permitiu-lhes a adaptação da dialéctica fílmica que já possuíam às suas novas atribuições. Nesse ponto, estamos conversados.

A grande surpresa surge, no entanto, quando nos apercebemos que os duplos convertidos em realizadores também não são nada incapazes na outra dança que ensaiam, a dos enquadramentos e planos. Não serão nenhuns virtuosos, é certo, mas conseguem tirar um par de coisas bastante interessantes da cartola. Nesse ponto, nota positiva, igualmente.

Há, em especial, um plano que justifica o encómio: Wick, interpretado por um Keanu Reeves inexpressivo quanto baste (não creio que haja outro), recebe uma auréola vermelha na discoteca que se prepara para transformar em matadouro. Banhado a luzes néonicas, o nosso hitman é santificado pela lente - e não terá o espectador, também ele, já santificado Wick quando lhe roubam o carro e matam o cão? - que espera o massacre. Wick é, assim, o santo pecador, a personificação do anjo da morte que precipita a sua fúria vingativa sobre aqueles que o privaram novamente da presença da mulher.

Expiar a morte pela matança (a impressão que me fica é que o filme se faz todo à volta do luto) parece tão absurdo como bombardear pela paz. Mas a cada ferida infligida, a cada bala disparada, a cada corpo que tomba, Wick aproxima-se da catarse. Tanto que, no final, já pode ir buscar outro cachorro.

Leitch e Stahelski exploram com um à-vontade raro em estreantes a dessensibilização da audiência face à violência com que é presenteada. No fundo, o que mais incomoda nem são as mortes gráficas a que Wick sujeita os mafiosos russos (os prevaricadores merecem o que os espera); é assistir ao corpo ferido do animal estendido junto ao do homem, à segunda morte da mulher de um homem que se move nos interstícios entre o Bem e o Mal, entre o sagrado e o profano - o monólogo de Michael Nyqvist sobre destinos amaldiçoados, a fazer lembrar o de Budd em Kill Bill, de Quentin Tarantino, deixa, de resto, bem clara essa ideia. Quem dança com o Diabo - perdão, com o Santo Diabo -, arrisca-se a perder a alma.


Título Original: John Wick (Canadá/China/EUA, 2014)
Realizador: David Leitch, Chad Stahelski
Argumento: Derek Kolstad
Intérpretes: Keanu Reeves, Michael Nyqvist, Alfie Allen, Willem Dafoe, Adrianne Palicki, Ian McShane
Música: Tyler Bates, Joel J. Richard
Fotografia: Jonathan Sela
Género: Acção, Crime, Thriller
Duração: 101 minutos


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