segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Persepolis (2007)

De Marjane Satrapi só conheço, infelizmente, os filmes dirigidos a meias com Vincent Paronnaud. Não posso, pois, compará-los nem com as novelas gráficas que lhes serviram de base, nem com os seus trabalhos posteriores, a solo. Erro crasso, lacuna a suprir urgentemente, eu sei, amigo leitor. Posso, contudo, comparar PERSEPOLIS a Poulet aux prunes, a segunda obra da dupla, e a partir daí (tentar) tirar as minhas conclusões.


Escreva-se que, à primeira vista, a principal diferença entre os dois filmes reside na utilização da cor. A monocromia de Persepolis, com o negro muito acentuado, contrasta com a explosão colorida de Poulet aux prunes. Mais, o negro em Persepolis, de tão cerrado, parece oprimir frequentemente as suas personagens - recorde-se, a propósito, o inspirado plano que fecha o rosto de Marjane nos véus da polícia religiosa; o negro elimina e sobrepõe-se a (quase) tudo o resto. Em Poulet aux prunes não existem esses constrangimentos: é tudo mais aberto, mais feliz, mais despreocupado.

Outra das questões relevantes prende-se com o onirismo e a realidade presentes em ambos os trabalhos, e com o seu peso relativo. Persepolis e Poulet aux prunes constroem-se em torno das memórias familiares de Satrapi. Mas enquanto que no segundo essas recordações se erguem entre sonhos e fantasias, atingindo, a espaços, contornos Jeunetianos, no primeiro elas fundam-se, sobretudo, na realidade, mesmo quando, a certa altura, somos encarados por Deus (e Marx). Persepolis é, dessa maneira, um objecto muito mais denso do que o seu sucessor, talvez pela sua história ser, também ela, mais urgente e próxima à autora.

Mas é exactamente aí que o desconhecimento da obra individual quer de Satrapi, quer de Paronnaud, se faz sentir com maior intensidade: é-me impossível saber ao certo a contribuição de cada um deles para a equação final. Será que a presença de Satrapi se prende mais ao raconto, e a de Paronnaud ao lado estético? Será que Paronnaud limitou-se a ser a porta de entrada de Satrapi numa indústria desconhecida?

Seja como for - e, em última análise, essas interrogações são de somenos importância para o que aqui pretendemos -, Persepolis não tem medo de se assumir como a obra imensa que é. Marjane acaba uma estrangeira tanto no seu Irão como no Ocidente. Ali, pela liberdade que lhe roubam, asfixiando-a; aqui, por não se identificar com um estilo de vida para o qual não foi educada. Resistindo ao niilismo, resta-lhe apenas permanecer fiel à sua identidade cultural e às promessas feitas.

Será Persepolis o filme culturalmente mais relevante da última década? Ao misturar Arte e entretenimento, História e estória, Política e Religião, apelando, simultaneamente, a audiências ocidentais e iranianas, merece, pelo menos, alguma consideração nesse sentido. Por os regimes ainda se sucederem e as guerras continuarem a existir, urge (re)descobrir este monumento sociopolítico. E ouvir muito atentamente aquilo que Marjane tem para nos dizer.

[Persepolis é hoje exibido na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, às 21h00, integrado no QUÓRUM: Ciclo Cinema & Política. Oportunidade de ouro para ver, ou rever, uma das obras mais actuais do Cinema contemporâneo.]


Título Original: Persepolis (EUA/França, 2007)
Realizador: Marjane Satrapi, Vincent Paronnaud
Argumento: Marjane Satrapi, Vincent Paronnaud
Intérpretes: Chiara Mastroianni, Danielle Darrieux, Catherine Deneuve, Simon Abkarian, Gabrielle Lopes Benites 
Música: Olivier Bernet
Género: Animação, Biografia, Drama
Duração: 96 minutos



Sem comentários :

Enviar um comentário