Imagino que Joe Wright se sinta confortável a dirigir filmes de época. A facilidade de trato do material que lhe chega da literatura - já adaptou, e bem, diga-se de passagem, Jane Austen e Ian McEwan - manifesta-se pela solidez das suas empresas no género, demonstrações de competência e talento. Depois de uma breve passagem pelo thriller de acção - o invulgar Hanna -, reveladora de algumas fragilidades, o britânico voltou aos Clássicos. E logo pela pena de Tolstoi e de ANNA KARENINA, uma obra cuja transposição para o grande ecrã não constitui, per se, uma estreia. O resultado final merece, no entanto, ser analisado com atenção e cuidado.
Exercício de quebra da quarta parede, a invasão do proscénio faz-se, contudo, no sentido inverso ao habitual; ou, pelo menos, com uma maior consciência da parte da audiência, que ultrapassa visualmente, em travelling, os limites da tela. O convite - mecanismo, no mínimo, curioso - causa ao início certa estranheza, mas cedo se entranha no espectador. E entre tanta teatralidade e fluidez lá se vai apresentando a trama, uma tragédia romântica de uma mulher dividida entre o amor e a honra. Só depois de já estarmos bem imersos na narrativa - e de conhecermos todos os pormenores e contornos do que por lá se passa - é que damos conta de um outro facto curioso: há em Anna Karenina uma quase supressão do corte, a vontade de tornar o ponto de interrupção entre planos o mais imperceptível possível. A valorização do raccord em detrimento do estrangulamento causado pela separação visível da acção confere ritmo ao filme e permite a abstracção do público em relação à história reciclada que tem pela frente, fruto do deslumbramento induzido.
O devir dos décors, acompanhado de perto pela fotografia e direcção artística, transforma a fita num completo espectáculo visual, empurrando para segundo plano tudo o resto. Fascinados pela talentosa realização de Joe Wright - que, arriscando, soube ultrapassar uns quantos contratempos no orçamento -, somos até capazes de deixar passar em claro algumas deficiências do filme, nomeadamente a tentativa descarada de se fazer de Anna uma espécie de proto-feminista ou as interpretações menos conseguidas do casal protagonista - ao qual se opõe Jude Law, irrepreensível na sua austeridade -, próximas do forçado. Assim, e apesar das falhas que apresenta, Anna Karenina sai daqui bem cotado e vivamente recomendado.
Realizador: Joe Wright
Argumento: Tom Stoppard (baseado no romance de Lev Tolstoi)
Interpretes: Keira Knightley, Aaron Taylor-Johnson, Jude Law, Matthew Macfadyen, Kelly Macdonald, Domhnall Gleeson, Alicia Vikander, Olivia Williams
Música: Dario Marianelli
Fotografia: Seamus McGarvey
Género: Drama
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