Tem-se em TABU, de Miguel Gomes, um dos objectos mais singulares da cinematografia recente portuguesa. Não só pela época que revisita ou sequer pela opção de fotografar a preto-e-branco - O Barão, de Edgar Pêra, por exemplo, também se situa nesse espectro -, mas sobretudo no talento envolvido na repescagem e utilização de todo um leque de técnicas e mecanismos que há muito se julgavam caídos em desuso e que aqui conferem ao filme uma dimensão indescritivelmente mágica. A entrada de Miguel Gomes na lista dos grandes cineastas da nossa praça - depois do surpreendente Aquele Querido Mês de Agosto - faz-se através de uma ligação Lisboa-África desmultiplicada em memórias e relatos.
Começando pelo magnífico prólogo, com ares de documentário, somos introduzidos, enquanto público, aos resquícios do Império e do Colonialismo. A um passado que já não existe e àquela paisagem luxuriante a que chamam África. A narração - que durante o filme vai revelando, sempre a seu tempo, todos os detalhes necessários à compreensão da narrativa - deixa logo claro que à vontade do coração não se podem sobrepor as de Reis ou Deus. A lembrança e o sonho são apresentados como elementos poderosos e capazes de guiar a experiência. De um lado temos aqueles que, não querendo recordar, vivem por eles atormentados; do outro, aqueles que têm como tarefa impedir que o que foi mas já não é morra no esquecimento. O que equivalerá a escrever que Aurora e Pilar - Laura Soveral e Teresa Madruga, respectivamente, fenomenais - são faces opostas de uma mesma moeda, atraindo-se até ao fim anunciado e que não tarda muito em chegar. Tudo para se perceber que o sufixo - Perdido - que cai de uma epígrafe para a outra foi, afinal, ganho através do tempo.
Do elenco à pós-produção, verifica-se em Tabu uma obra superior, colocada bem acima da média - quer nacional, quer internacional - e pautada por uma faculdade absolutamente assombrosa. Vê-lo é permitir que em nós penetre uma imagética forte, envolvida por uma musicalidade transcendente - apanágio da obra de Gomes -, que perdurará na nossa memória e não mais nos abandonará. Obrigatório.
Realizador: Miguel Gomes
Argumento: Miguel Gomes, Mariana Ricardo
Intérpretes: Teresa Madruga, Laura Soveral, Henrique Espírito Santo, Isabel Muñoz Cardoso, Ana Moreira, Carloto Cotta, Manuel Mesquita, Ivo Müller
Fotografia: Rui Poças
Género: Drama, Romance
Duração: 118 minutos
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