domingo, 30 de dezembro de 2012

Life of Pi (2012)

É difícil balizar a dimensão Fantástica em LIFE OF PI. Ang Lee - que se vai revelando, acima de tudo, um contador de histórias - estica-a e deforma-a, extraindo-lhe o significado, negando-a numa primeira fase - através do pai, um homem da Ciência -, para depois a reencontrar na Natureza. Há tigres que partilham pequenos botes com miúdos naufragados, alforrecas e baleias que dão brilho à noite e ilhas carnívoras. O real e o imaginado fundem-se com tamanha perfeição que se torna impossível encontrar os pontos que os unem. O que passa diante dos nossos olhos é a extensão do que poderia ter passado e do que ainda está por passar - ideias que aqui se confundem -, num elogio às potencialidades do sonho e da imagem como narradoras.


Talvez por isso - e a par do inusitado da estória - o maior destaque da fita vá para a direcção de fotografia de Claudio Miranda, que se tem vindo a evidenciar, sobretudo, na exposição da beleza no Digital. As cores, sempre nos limites da saturação e do contraste, combinam-se em matizes impecavelmente idealizadas, pintadas em maravilhosos quadros vivos. Essa qualidade pitoresca, que se manifesta através da fixação mental dos fotogramas, cria todo um conjunto de texturas - e a sensação ganha ainda mais força, quer-me aparecer, pelo uso abundante de dissolves, adicionando e subtraindo-se camadas à imagem - em redor de uma narrativa excessivamente moralista. Acrescentando o 3D, e admitindo que em Life of Pi o uso da tecnologia faz sentido como em poucos outros filmes, obtém-se um objecto cinematográfico incrivelmente curioso e animado.

Ang Lee utiliza os elementos visuais como principal veículo da narrativa. A dimensão plástica não é tratada como uma dimensão em si, mas como meio preferencial do esbatimento das fronteiras entre as outras. Não será à toa que surgem, amiúde, planos em que o Céu e o Mar se tocam, fundindo-se - e em que o barco flutua entre os dois, como que suspenso em etérea leveza -, ou aquele impressionante travelling mental de Pi que vai das estrelas ao fundo do oceano em total fluidez. Quando o filme se prepara para terminar - encerrando, igualmente, a magia - é apresentada uma outra versão da estória, mais verosímil e sem imagética, perguntando-se ao espectador em qual delas prefere acreditar. Um último apelo à fé e inocência que se esperam, naquele ponto, cultivadas na audiência.

Mas é precisamente à audiência que cabe uma última análise a Life of Pi, um exame sério às duas horas de filme que teve pela frente. A moral que se prega - escondida sob uma falsa-escolha - invade cada segundo da fita, em tons de catecismo. O paternalismo - e isto de ter demasiados -ismos numa só peça nunca é bom - do «vais ouvir uma história que te vai fazer acreditar em Deus» torna-se aborrecido e tira parte do brilhantismo ao filme. O talento de Ang Lee chega à fábula e permite-lhe criar uma das obras mais belas do ano. Só que falta-lhe algo, porventura - e não querendo escrever que se insulta a inteligência do público, por não crer ser essa a sua intenção - o espaço para uma decisão livre. No fim, as cores morrem com a Fantasia e nós abandonamos a sala toldados por uma escolha que nunca chegou a ser nossa. E se na retina fica a beleza da visão, na mente ecoa uma simples pergunta, será que os filmes têm alma? Deixo a resposta para os membros da Academia, mais habituados a estes caminhos filosóficos do que eu.


Título Original: Life of Pi (China/EUA, 2012)
Realizador: Ang Lee
Argumento: David Magee (baseado no romance de Yann Martel)
Intérpretes: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain, Tabu, Rafe Spall, Gérard Depardieu
Música: Mychael Danna
Fotografia: Claudio Miranda
Género: Aventura, Drama
Duração: 127 minutos



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