Uma década na vida de um casal é muito tempo. Tempo suficiente, aliás, para que lhes aconteça de tudo um pouco. Todas as relações passam por bons e maus momentos, por separações e reconciliações. Ou será que a regra não se aplica aos casais homossexuais? E porque raio não haveria de se aplicar? O casal de KEEP THE LIGHTS ON não é diferente dos tradicionais binómios homem-mulher. Conhecem-se, apaixonam-se, vão viver juntos, discutem e afastam-se.
Mas não se amam. Ou, pelo menos, não se amam da mesma maneira. O defeito não será da orientação sexual - o fenómeno verifica-se igualmente entre heterossexuais -, mas sim de carácter. Erik, o realizador de documentários, vive constantemente preocupado com Paul, o advogado. Paul, o toxicodependente, abandona frequentemente Erik, o namorado, em períodos de elevado consumo de drogas. Em Keep the Lights On não se fala de amor, pelo menos não do puro e sincero; ao invés, choca-se de frente com várias formas de dependência que destroem as personagens que nelas caem. Há uma clara agressão pelo sexo - veja-se o acto, por exemplo, de obrigar o companheiro a assistir a um encontro sexual com outro homem - que ultrapassa os limites da violência física. É-nos mostrada uma visão desencantada dos relacionamentos, uma desilusão latente que arrasa quaisquer noções românticas e que não se queda pela homossexualidade.
Quando gostar de cinema queer já não é - ou, pelo menos, não deveria ser - uma declaração obrigatória de preferência sexual, Ira Sachs apresenta um antídoto eficaz contra o preconceito. Keep the Lights On surge como um hábil exercício de aproximação entre realidades que se julgam diferentes, mas que, afinal, não o são. Thure Lindhardt e Zachary Booth - principalmente o primeiro, fabuloso - carregam o filme, auxiliados pela bela (e natural) fotografia de Thimios Bakatakis e, sobretudo, pela genial banda sonora de Arthur Russell, capaz de unir os fragmentos de dez anos de convivência. No final, sobra pouco por onde nos agarrarmos, tamanho é o desalento com que Sachs nos deixa; resta, no entanto, alguma esperança e a certeza de que a vida continua, indiferente aos desamores que nos lança. A solução é fechar os olhos, respirar fundo e começar tudo de novo.
Realizador: Ira Sachs
Argumento: Ira Sachs, Mauricio Zacharias
Intérpretes: Thure Lindhardt, Zachary Booth, Julianne Nicholson, Sebastian La Cause, Souleymane Sy Savane, Paprika Steen
Música: Arthur Russell
Fotografia: Thimios Bakatakis
Género: Drama
Duração: 101 minutos
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