terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Antes de Hollywood, Hiroshima

Noite de gala em Hollywood. A realeza do Cinema reunida debaixo do mesmo tecto. Passadeira vermelha, vestidos elegantes - e outros que nem tanto - e gente charmosa e bem-parecida. Nada contra, atenção. Até porque no final ainda havia uns quantos prémios - uns tais Oscars - para distribuir. E dois convidados muito especiais, um austríaco, a outra francesa, que se pareciam destacar da multidão anglófona e estrangeiros americanizados. E logo com hipótese de roubarem três dois principais galardões da noite.


Mas antes de Hollywood - ou desta nova Hollywood - já havia Hiroshima. Mais concretamente, HIROSHIMA, MON AMOUR, de Alain Resnais, aquele magnífico filme que muitos colocam - e com razão, diga-se de passagem - no hipocentro da Nouvelle Vague. Um pedaço de Cinema tão delicado quanto contundente, tão directo quanto poético. Em Hiroshima, a décadas das rugas, Emmanuelle Riva testava a possibilidade do amor sobreviver à guerra; cinquenta e três anos depois - mas ainda deslumbrante -, pô-lo-ia à prova na derradeira etapa da vida. Curiosamente, Hiroshima, mon amour também esteve nomeado a um Oscar - Melhor Argumento Original, para Marguerite Duras - que acabou por não ganhar. Seria um presságio?

Por esta altura - e com tudo o que fui escrevendo aqui e ali sobre a corrida aos Oscars -, quem nos acompanha regularmente já terá decerto percebido a preferência da casa por AMOUR dentre os nomeados do ano - ao ponto de o incluirmos na nossa Filmoteca Obrigatória, ainda em construção -, estudo fundamental sobre a resistência do amor à extinção dos seus receptáculos. E se no início da noite ainda cultivávamos alguma (pouca) esperança em relação à sua vitória nas principais categorias em que se incluía, sabendo, no entanto, o quão complicado seria ganhar efectivamente algum desses prémios, cedo fomos percebendo que os membros da Academia dificilmente partilhariam da nossa convicção. Isto não é um lamento. A ocasião não o merece, nem os envolvidos o parecem querer. Apenas uma constatação de que num ano em que a oportunidade se proporcionava como talvez em nenhum outro, a AMPAS preferiu entregar - novamente - o galardão ao candidato mais pró-americano - e Hollywood, vista como uma espécie de refúgio - em detrimento de outros mais merecedores. Nada de novo nesse departamento, portanto.

De resto, os Oscars foram os Oscars que se esperava que fossem. E com espaço para umas quantas surpresas. O anfitrião a espaços politicamente incorrecto, as honras repartidas entre as fitas a concurso - com a de Melhor Edição de Som a ser, literalmente, dividida, ex aequo -, a malta mais favorita a conseguir parecer a mais surpreendida. E Spielberg a levar uma valente tareia do alto das suas - de LINCOLN, leia-se - doze nomeações. A Academia norte-americana favoreceu os seus seus - e Ang Lee, ao que parece -; entende-se, ARGO não é um filme mal feito. Mas alguns dos ignorados mereciam mais atenção.

Sobre a obra de Resnais, fica prometida uma análise num momento futuro, mais oportuno e dado à complexidade da tarefa. Contudo, para fechar estas linhas, um último pensamento: escrever uma cartinha à Academia com sete palavras. Tu n'as rien vu à Riva. Apenas. Acho que bastava.

António Tavares de Figueiredo

1 comentário :

  1. Podes crer que a Riva merecia bastante mais que a Lawrence... mas aquilo é uma festa da indústria deles para premiar os deles para promover novos "ases" para os filmes de Hollywood. Não se pode fazer nada...
    Já fazem muito esforço em premiar Melhor Filme Estrangeiro (e o quanto lhes deve custar ver filmes com legendas...).

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