quarta-feira, 20 de junho de 2012

Melancholia (2011)

«The Earth is evil. We don't need to grieve for it.»

É preciso alguma paciência para aguentar as pouco mais de duas horas de Melancholia. Não muita, é certo, mas alguma. Ou não se tratasse de um filme de Lars von Trier, difícil de digerir e pleno de simbolismo. O prólogo, um dos mais belos de qualquer filme do dinamarquês, resume bem o grosso da obra e apresenta logo o desfecho inevitável: um planeta vai chocar com a Terra e destruí-la. Não há volta a dar e nada do que se faça pode impedir que tal destino se concretize. E, sabendo isso, somos transportados para alguns meses antes do fatídico acontecimento, para outra altura, para um casamento. E, não fosse o infinito um símbolo fechado, assim se vai partindo do particular até se alcançar o geral.

Justine (Kirsten Dunst) está infeliz no dia do seu próprio casamento. Ao que tudo indica, o sentimento vem de trás, mas atinge proporções quase catastróficas naquele que devia ser um dos dias mais felizes da sua vida. A festa, desfasada da realidade da situação, e muito maior do que Justine previu quando a pediu à irmã e ao cunhado, não a consegue retirar da melancolia que sente, fazendo-a procurar abrigo onde quer que o encontre. Entre visitas regulares ao sobrinho pequeno que já se foi deitar, a banhos em alturas impróprias e passeios no campo de golfe da propriedade, tudo serve de desculpa para a noiva se afastar da multidão. O noivo (Alexander Skarsgård, de True Blood), a irmã (Charlotte Gainsbourg) e o cunhado (Kiefer Sutherland) também não parecem capazes de a arrancar da depressão. O seu patrão (Stellan Skarsgård) está mais interessado em arranjar um slogan para a sua nova campanha publicitária do que na felicidade do casal. E, assim, com o final da noite chega também o final do casamento, curto e amargo, logo quando se começa a fazer notar no céu noturno um astro estranho.

Claire, a outra irmã, segue o caminho oposto ao de Justine. Controlada e controladora, julga que o melhor remédio para Justine são as mesmas regras pelas quais vive. O casamento foi já há meses, e sem nada que a tire do marasmo em que vive desde então, Justine vai viver com Claire, o seu marido e o filho de ambos. Já se sabe que o astro desconhecido que se vira anteriormente é o planeta Melancholia, votado a passar pela Terra brevemente num acontecimento raro, se não mesmo inédito. Claire está assustada com uma possível colisão entre os dois planetas, mas Jack, um astrónomo amador, assegura-lhe que tal não acontecerá. Sob esse mote, e com o conhecimento prévio adquirido pelo espectador, caminha-se para as imagens finais do prólogo, numa dança da morte semelhante à dos astros.

Depois de uma conferência de imprensa polémica em Cannes, aquando da antestreia da fita, e da atribuição do título de persona non grata do festival a Lars von Trier, Melancholia revelou-se uma das obras mais interessantes do cineasta dinamarquês. Longe das rígidas regras do movimento Dogme 95, do qual foi fundador, e do seu "voto de castidade", o realizador produziu uma metáfora impressionante, mesmo que demasiado óbvia, sob a forma de um planeta gigante que esmaga a Terra, da depressão que tantas vezes o afectou ao longo da sua carreira e o impediu de trabalhar. O prólogo de Melancholia, cheio de efeitos e manipulação de imagens, ou a sua fotografia maravilhosa seriam impensáveis há um década num filme de von Trier. Mas, mais um vez, o dinamarquês decidiu quebrar barreiras e surpreender quase toda a gente. Algumas das características mais marcantes do seu cinema ainda se encontram presentes, como a câmara operada por ele próprio, trémula e sempre tentando capturar o real das suas personagens, ou as referências a música clássica, mas, livre de restrições, von Trier vai expandindo a sua obra.

Dividido em duas partes, uma por cada irmã, e fazendo cada uma delas sentir os efeitos da catatonia depressiva que também atingiu o realizador no passado, Melancholia tem tanto de belo como de assombroso. Todas as personagens são projecções ora de Justine, ora de Claire, um microcosmo representado numa família. Entre cenas de um lirismo extraordinário (Justine nua mirando Melancholia no céu, consciente do seu destino e indiferente a ele é um dos exemplos) e mistérios esotéricos (o buraco 19), é possível encontrar na fita momentos de puro deleite cinematográico, com von Trier negando tudo e todos com um niilismo delicioso, embora desanimador. Porque o desânimo e a frustração são faces de uma mesma moeda, e quem começa o filme de uma maneira é certo que o acabe da outra. Ou não fosse o infinito um símbolo fechado.


Título Original: Melancholia (Alemanha/Dinamarca/França/Suécia, 2011)
Realizador: Lars von Trier
Argumento: Lars von Trier
Intérpretes: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgård, Kiefer Sutherland, Cameron Spurr, Stellan Skarsgård, John Hurt
Fotografia: Manuel Alberto Claro
Género: Drama, Ficção-Científica
Duração: 136 minutos


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