Vi Valhalla Rising pela primeira vez na edição de 2010 do Fantasporto. Na altura não gostei. Alguns meses mais tarde, provavelmente mais de um ano depois, voltaria a ter contacto com o filme. À segunda já me pareceu melhor. Mas continuei a não gostar totalmente da fita.
Voltemos ao início. Quando apanhei a película dinamarquesa naquela agora distante edição do Fantasporto era já o último dia do festival. Os filmes premiados pelos júris estavam a ser exibidos, e o cansaço acumulado durante uma semana de muito cinema já se fazia notar, eliminando quase totalmente a disposição para ver filmes de difícil digestão. Valhalla Rising havia recebido "apenas" uma menção especial do júri da secção de Cinema Fantástico, tornando-o menos atractivo para o público do que os filmes realmente premiados e empurrando-o para o horário do início da tarde. A seu favor tinha uma sinopse que o descrevia como um filme de acção passado no tempo dos vikings e a realização de Nicolas Winding Refn, à data a gozar o sucesso de Bronson, a sua anterior aventura cinematográfica. Os prós pesavam mais do que os contras, e a decisão de o ir ver parecia natural. Parecia, só.
Na verdade, Valhalla Rising estava longe de ser algo sequer parecido com o publicitado nos programas do festival. One Eye (Mads Mikkelsen) é um escravo mudo dotado de uma força sobrenatural. Obrigado a lutar, anseia por um paraíso a que não tem a certeza se pertencerá. O problema é que One Eye é demasiado bom no que faz, e os corpos dos seus adversários vão-se amontoando à sua passagem. A morte tarda a vi-lo reclamar, afastando cada vez mais dele o tão esperado paraíso. Até que, com a ajuda de um rapaz chamado Are, One Eye foge aos seus senhores escoceses e se junta a um grupo de vikings de partida para Jerusalém. Cristãos, os nórdicos sonham reconquistar a Terra Santa. Será esse o paraíso que One Eye espera encontrar?
Mais do que de difícil digestão, o filme é de complicada compreensão. Dividida em capítulos e concebida como uma espécie de trip de ácidos (palavras do próprio realizador), o intrincado simbolismo dificulta o entendimento da obra, e a falta de diálogo não ajuda à tarefa. Para Refn, parece que a espiritualidade nasce do encontro da terra com o céu (conforme representado por vários planos e enquadramentos escolhidos) e que a religião surge do sangue e da violência. O olho que falta ao protagonista pode muito bem ser o que também falta a Odin, ficando explicadas as visões que One Eye tem do futuro.Visões banhadas a sangue, primeiro dos outros, depois do seu. O nevoeiro vai-se adensando com a confusão em relação a um paraíso cada vez inatingível. Entre os escoceses e os vikings é difícil determinar quais os piores. Serão os que o obrigam a lutar sem nenhuma razão maior? Ou os que justificam as suas mortes com Deus?
À segunda visualização já dá para ir percebendo melhor alguns dos aspectos da fita. E para dar valor à interpretação de Mads Mikkelsen, que passa o filme todo sem dizer uma única palavra. No final, o sacrifício de One Eye acaba por ser também o seu. A violência característica do trabalho de Refn encontra-se bem presenta nesta obra.Visceral, é capaz de incomodar sem nunca obrigar a tirar os olhos do ecrã. Quem tiver visto Drive antes das restantes obras do dinamarquês poderá ter ficado a pensar que a violência gráfica seria artifício de um filme só. Pois bem, tem-se em Valhalla Rising uma boa oportunidade para comprovar o contrário. Refn é já um nome destacado no panorama do cinema europeu. Sozinho, atrás das câmaras, vai manipulando luz e sombra, planos e ângulos, personagens e história. No entanto, apreciador do ritmo lento, o seu estilo de realização não agradará a todos.
Valhalla Rising vai melhorando com o número de visualizações. Mas não o suficiente para valer o tempo gasto em sucessivas análises ou em vãs tentativas de o compreender na sua totalidade. A vontade de encontrar razões para lhe dar uma nota melhor é muita, mas facilmente nos apercebemos que tal, se não impossível, é complicado. Encontrá-lo a meio da escala pontual? Talvez um pouco mais acima? Parece justo. Refn bem pode agradecer a Mads, ao seu director de fotografia (Morten Søborg fez um trabalho espantoso) e ao seu próprio talento. Fora essas excepções, Valhalla Rising não passa de um devaneio filosófico do nórdico.
Realizador: Nicolas Winding Refn
Argumento: Roy Jacobsen, Nicolas Winding Refn
Intérpretes: Mads Mikkelsen, Maarten Stevenson, Ewan Stewart, Gary Lewis, Alexander Morton
Música: Peter Kyed, Peterpeter
Fotografia: Morten Søborg
Género: Acção, Aventura, Histórico
Duração: 93 minutos
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