quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Argo (2012)

Quando a realidade é mais estranha do que a ficção.

ARGO abre, quase a frio, com algumas das imagens mais impressionantes produzidas pelo cinema norte-americano recente, remetendo logo, mesmo que vagamente, para Munich, de Steven Spielberg. Aquele misto de material de arquivo e cenas recriadas marca desde logo o tom para o filme, sendo raramente igualado em tensão e intensidade - conceitos que, de resto, torna bem palpáveis - durante o resto da sua duração. A crise de reféns no Irão que se seguiu à Revolução de 1979 marcou a transição entre as décadas de 70 e de 80, manchando as relações entre os dois principais países envolvidos. A falta de vontade, ou receio, da Administração Carter em se envolver levou a um impasse. Dos sessente e poucos norte-americanos que trabalhavam na embaixada em Teerão, seis conseguiram escapar antes que fosse consumada a invasão do espaço pela multidão iraniana, refugiando-se na residência do Embaixador Canadiano. A sua extracção do país tinha de ser realizada em segredo, sob pena de serem executados, e ficou a cargo de Tony Mendez, perito da CIA em tirar gente de sítios em convulsão.


A solução passa por fazer passar os seis americanos por uma equipa de rodagem canadiana a fazer scouting de locais no Médio Oriente. O insólito da situação é reforçado pelas restantes alternativas à disposição - dar-lhes bicicletas e mapas do país e deixá-los pedalar até à fronteira, mascará-los de professores ou inspectores de colheitas (quando é Inverno e já não as há) - e a impossibilidade de as pôr em prática. Por uma vez Hollywood, a indústria que vive da fraude e da mentira consciente, afigura-se como a opção mais plausível. Monta-se então um falso filme - rip-off das space operas, ficção-científica popular à data - e uma falsa produtora com a ajuda de um maquilhador e de um velho produtor e vende-se a coisa à imprensa como se fosse verdade. Argo, o filme, e Argo, o falso filme dentro do filme, confundem-se pois, numa sátira à indústria de Cinema norte-americana, fábrica (e destruidora) de sonhos, e agora esperança de seis americanos presos em Teerão. O significado da palavra acaba por não interessar para além de título de algo que não existe; Alan Arkin chega a cunhar a frase mais memorável do filme («Argo fuck yourself!») em resposta a um jornalista que lhe pergunta exactamente sobre isso.

Ben Affleck, cada vez mais longe dos tempos em que era motivo de chacota como actor, assina um bom filme, suportado pelo argumento sólido de Chris Terrio, ao qual junta uma interpretação discreta mas competente. O objectivo passa, essencialmente, por não ofuscar, e cada membro do elenco, consciente da sua parte a desempenhar na fita, cumpre com a regra; não que não haja espaço para brilharem, porque o há e é utilizado, apenas não cedem à tentação de se sobrepor à história. Argo resulta muito bem como filme de época - a direcção artística e o figurino são fantásticos, a banda sonora é das mais interessantes nos filmes que lidam com aquela década - e thriller de espionagem. É por o enredo, baseado em factos verídicos (frase que envenena o espectador não raras vezes), ser tão pouco plausível que se torna engraçado; Hollywood como ratline financiada pela CIA não deixa de ter o seu quê de piada. Ironicamente, é quando a estória parece mais real (a fuga a complicar-se já no aeroporto) que se tomam as liberdades artísticas. Sacrifica-se, pois, a verdade pela ficção, em nome de um clímax mais satisfatório. Também aí Hollywood tece a sua teia.

Eivado de uma retórica profundamente pró-Americana, numa cultura que gosta de ser frequentemente recordada dos seus melhores momentos, há um défice na atenção dedicada ao envolvimento canadiano na operação. Affleck redimiu-se após Toronto - alguém o deve ter avisado da falha - com as legendas finais e reconheceu que os vizinhos foram essenciais para o sucesso da missão. As personagens iranianas surgem igualmente maculadas pelo sentimento pró-Americano, representadas na sua maioria pela figura do guarda nacional, homem rude de barba muito escura com pouco sentido de humanidade. A aura patriótica, aliada a um certo calculismo Académico, deve granjear a Argo algumas nomeações importantes na temporada de prémios que se avizinha. A lição a tirar, se é que chega a haver alguma, é que o fanatismo só gera mais fanatismo. Fora isso, é óptimo entretenimento, consciente da sua condição como tal.


Título Original: Argo (EUA, 2012)
Realizador: Ben Affleck
Argumento: Chris Terrio (baseado no artigo de Joshuah Bearman)
Intérpretes: Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin, Victor Garber, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Kerry Bishé, Tate Donovan
Música: Alexandre Desplat
Fotografia: Rodrigo Prieto
Género: Drama, Histórico, Thriller
Duração: 120 minutos


 

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