sábado, 24 de novembro de 2012

Florbela (2012)

Bastam poucos minutos de filme para perceber que FLORBELA é mais sobre uma mulher que vive a romper com as convenções do seu tempo - e que, no contexto da fita, podia muito bem ser uma anónima - do que sobre a poetisa que dela partilha o nome. A escolha de Vicente Alves do Ó de adaptar para o cinema um período da sua vida em que a inspiração não lhe chegava não terá sido inocente, tentando separar-se a pessoa da obra, apenas para que no final se conclua que a relação entre as duas é mais próxima do que inicialmente se poderia julgar (ou, neste caso, do que Alves do Ó julgaria). Florbela acaba, desse modo, por ser um filme paradoxal, feito de noções que se contrariam.

O argumento - sobretudo nos diálogos - parece acompanhar inconscientemente essa tendência dicotómica geral. Empestado de um lirismo pouco natural, presente em quase tudo o que as personagens dizem, força a experiência ao espectador e dificulta-lhe a imersão na história. Às tantas, foram já utilizados todos os chavões do sentimentalismo e falsa sabedoria, tão poéticos quanto vazios, coisas absurdas como «a felicidade não está ao virar da esquina», «pior do que não ter o que se quer é não fazer nada para que se o tenha» ou «o amor não morre com a outra pessoa». Assiste-se a uma racionalização excessiva do que é dito - e que foi escrito - que se transmite às metáforas visuais que são empregues.

Dalila Carmo, Albano Jerónimo e Ivo Canelas entregam, contudo, interpretações muito consistentes, sempre dentro dos limites que o guião lhes permite. Para a primeira, protagonista epónima, tal significa liberdade quase total para expandir a sua personagem; para os homens a restrição é mais apertada, verificando-se um défice no desenvolvimento de Mário e Apeles. A formação desse triângulo (amoroso) é acompanhada por um enorme cuidado a nível técnico - que, aliás, já havia sido evidenciado na anterior obra do realizador - através da bela fotografia de Luís Branquinho, da direcção artística de Silvia Grabowski e da montagem de João Braz.

Oitenta anos depois de Florbela, a poetisa, Os Lacraus cantariam «são os mortos que riem, são os vivos que choram», nota semelhante àquela que termina Florbela, o filme. Alves do Ó segue a indecisão da sua protagonista, dividida entre o casamento, o remorso e uma outra noção (superior) de liberdade, com uma câmara trémula e deambulante que, mesmo hesitando em captar a acção ao longe, consegue sempre manter um certo distanciamento em relação aos sujeitos que filma. Engolfado por uma banda sonora omnipresente que, de certa maneira, substitui a poesia que se esperava ouvir, o biopic que não o quer ser é fechado com outro - mais um - paradoxo: é um razoável filme que serve de óptima montra para o seu autor. Não será, portanto, de estranhar que a moldura pareça melhor do que o interior. Na memória, para além de imensos fotogramas de uma beleza incomensurável, ficam aquela sequência que serve de créditos iniciais, e que transmuta brilhantemente prazer em abuso, e as três palavras que tardam em abandonar a audiência. Florbela, obra e tristeza. O resto, que o leve o mar.


Título Original: Florbela (Portugal, 2012)
Realizador: Vicente Alves do Ó
Argumento: Vicente Alves do Ó
Intérpretes: Dalila Carmo, Ivo Canelas, Albano Jerónimo, António Fonseca, Carmen Santos, Rita Loureiro, Marques D'Arede, Anabela Teixeira
Música: Guga Bernardo
Fotografia: Luís Branquinho
Género: Biografia, Drama
Duração: 119 minutos


1 comentário :

  1. "Florbela": 2*

    "Florbela" tinha tudo para ser um filme esplêndido, mas foi apenas razoável.

    Cumprimentos, Frederico Daniel.

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