Parece facto assente que o cinema de Terror actual sofre da necessidade de viver dentro de um determinado conjunto de convenções mais ou menos fixas para que seja capaz de agradar a um público cada vez mais jovem e afastado das sementes do género. Haverá sempre, no entanto, quem se mostre capaz de as manipular habilmente, introduzindo elementos de novidade nas suas obras. É o caso de Scott Derrickson em SINISTER, filme que brinca com algumas das noções canónicas do Terror. A mais importante será, porventura, a de que o Mal precisa de um convite para entrar na vida das personagens. Seja por curiosidade, seja por inconsciência (ou uma combinação perigosa das duas), é comum a quase todo o Terror que sejam os sujeitos a abrir portas que mais tarde irão querer fechar, noção, de resto, explorada (e explicada) em The Cabin In the Woods. Outra igualmente relevante é a de que o Mal pertence ao próprio veículo que o difunde. Quanto mais físico e palpável, melhor. Filmes como Videodrome, de David Cronenberg, ou o mais recente V/H/S colocavam o peso sobre as cassetes, objecto agora antiquado e caído em desuso; Sinister coloca-o sobre a própria película. A entidade imprime-se mais no formato e na imagem do que no conceito. Só depois de o verem é que se torna real. A história não é nova - entidade que rouba crianças e mata as suas famílias -, muito menos o seu twist (há quem o julgue obrigatório, mesmo que implique uma certa dose de previsibilidade), mas é na interpretação dessas noções basilares do género que a película de Scott Derrickson conquista pontos à concorrência.
Muito pouco de Sinister é original. Nem o ponto de entrada na intriga, o snuff film - abordado anteriormente por Alejandro Amenábar em Tesis e por Joel Schumacher no inferior 8MM -, o chega a ser. O realizador compensa, contudo, no modo como filma, tudo muito pouco iluminado, com a luz (do projector, das lanternas) a ser completamente engolfada pela escuridão que a rodeia. Mistura-se found footage com cinematografia tradicional, na terceira pessoa, fugindo à moda que se tem vindo a formar numa escolha igualmente interessante. Ethan Hawke cumpre com o que lhe é pedido, interpretando de forma intensa Ellison Oswalt, um escritor que se mudou com a sua família para uma casa que foi palco de um múltiplo homicídio. O resto da família é durante grande parte do filme acessória, com a excepção da filha mais nova do casal no último terço da fita. Sinister vive sobretudo dos momentos que Hawke partilha com o projector, da descoberta daqueles pequenos segmentos de Super-8 depositados numa caixa esquecida no sótão.
O principal defeito do filme, para além da já referida trama fraca e algo previsível, é cair algumas vezes na tentação do jump scare óbvio. Fora isso, proporciona alguns bons momentos de Terror, um par de conceitos devidamente reimaginados e uma série de mecanismos que o impedem de se tornar demasiado maçador. Trata-se de um caso em que o filme é declaradamente melhor do que a história. Um bom filme de Terror assusta, mas deixa o espectador ir descansado para casa; um óptimo filme de Terror fica-lhe na retina já bem depois de ter terminado.
Realizador: Scott Derrickson
Argumento: C. Robert Cargill, Scott Derrickson
Intérpretes: Ethan Hawke, Juliet Rylance, James Ransone, Clare Foley, Michael Hall D'Addario, Fred Dalton Thompson, Victoria Leigh
Música: Christopher Young
Fotografia: Chris Norr
Género: Mistério, Terror
Duração: 110 minutos
Sem comentários :
Enviar um comentário