Não será de todo errado escrever que em SKYFALL se ensaia um regresso ao passado. Não que seja particularmente antiquado ou datado, mas o desejo de impor um certo classicismo no filme é evidenciado desde cedo, logo durante o prólogo turco que pisca o olho a From Russia with Love. Chegam os créditos iniciais (tema de Adele, nova coqueluche da pop britânica) e o sentimento permanece. Nota-se a vontade de Sam Mendes de imprimir com a sua câmara - o cano da arma - uma nostalgia em relação aos anteriores capítulos da franquia, fundindo-a com uma multiplicidade de referências a outros filmes do género. O herói arrasado pela vida e a casa de infância que arde (referências claras ao Batman de Nolan), as longas perseguições, os movimentos da câmara, o vilão extravagante e bigger than life - esta bem literal, com a personagem a evitar que a Morte a reclame -, são todos pontos a partir dos quais a película deriva, mas que não deixa que se sobreponham à sua identidade. Mendes, de resto, e sem arriscar, reafirma a sua reputação de talentoso realizador, criando um conjunto de cenas muito inteligentes - como é o caso, por exemplo, da sequência em Xangai, iluminada por neóns que se projectam nas personagens (já dizia Nolan, outra vez ele, que o Cinema convencional possui profundidade suficiente sem ter de recorrer ao 3D) - que se insere num bom blockbuster de acção. A qualidade de Mendes como timoneiro revela-se igualmente nas pessoas por quem se escolheu rodear. Direcção artística, banda sonora e montagem, todas bem acima da média, elevam o filme a nível técnico; mas o maior destaque tem de ir, obrigatoriamente, para a bela fotografia de Roger Deakins, abundante em planos a contraluz e sombras, responsável por grande parte da obscuridade que rodeia Skyfall.
Daniel Craig, na sua terceira aparição como James Bond, combina a boa forma física de George Lazenby e o humor clássico (e algo piroso, diga-se de passagem) de Roger Moore, enveredando por um registo e charme diferentes dos de Pierce Brosnan. Mas nisso já se reparara nos dois filmes anteriores. Do outro lado da barricada, o Oscarizado Javier Bardem veste a pele do antagonista Silva, todo ele maneirismos e carga homoerótica. Ciberterrorista - há algo nele que faz lembrar Julian Assange, e não será necessariamente a cabeleira loira -, recupera a postura excêntrica de alguns dos vilões clássicos da franquia, distanciando-se, em simultâneo, dos da era Craig, mais sóbrios e contidos. Judi Dench, como M, completa a tríade, a "mãe" - é curioso como Silva a trata, inclusive por esse título; Bond fica-se pelo mais formal parente fonético (ma'am) - das forças que se opõe e que lutam por ela. São três interpretações seguras que, num filme negro, roubam espaço às Bond Girls da praxe - resta a dúvida se podemos considerar M uma -, que se veem reduzidas a aparecer por mera necessidade logística. A sedução é outra, entre inimigos.
Mendes situa este Skyfall nessa terra de ninguém, mas cada vez mais ocupada, entre o blockbuster puro e o cinema de autor; há quem lhe chame blockbuster de autor. Rótulos à parte, trilha-se aqui uma estrada agradável - a obra de Mendes é repleta destes caminhos, quer de predição, quer de redenção, que dão prazer percorrer -, com direito a uma road trip de Bond e M, num Aston Martin restaurado, à Escócia que viu nascer para o Cinema o icónico agente secreto britânico. O resultado final não desilude, apesar de caminharmos impiedosamente para um desfecho que desde cedo se faz anunciar. Cinquenta anos e vinte e três filmes depois, Bond continua bem vivo e pronto para as curvas. Afinal, o passatempo dele sempre é a ressurreição.
Título Original: Skyfall (EUA/Reino Unido, 2012)
Realizador: Sam Mendes
Argumento: Neal Purvis, Robert Wade, John Logan (baseado nas personagens de Ian Fleming)
Intérpretes: Daniel Craig, Judi Dench, Javier Bardem, Ralph Fiennes, Naomie Harris, Bérénice Marlohe, Albert Finney, Ben Whishaw, Ola Rapace
Música: Thomas Newman
Fotografia: Roger Deakins
Género: Acção, Aventura, Crime, Thriller
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