Chega o fim-do-ano e malta cinéfila põe-se a elaborar as suas listas. Nós não somos diferentes e lançamo-nos ao trabalho de passar o ano em revista. Tarefa ingrata, cedo se percebeu. 2012 foi um ano complicado de analisar. A diferença entre os filmes de topo e os que lhes seguiram imediatamente em pontuação foi grande, levando a alguma concorrência - e muita indecisão - pelas últimas posições do top. Cortar revelou-se um mal necessário.
Do mesmo modo, recorreu-se ao corte no processo de selecção. Optamos por considerar apenas as obras com estreia absoluta (mundial) em 2012, descartando como critério a estreia em sala nacional durante o mesmo período. Caso contrário, figurariam seguramente neste lista nomes como McQueen, Tarr e Kaurismäki; ou policiais na Anatólia, filmes que não o são e assassinos adoráveis. E fora essas excepções, há ainda a ausência das fitas deste ano que nos escaparam. Entre os mais notáveis - ou, pelo menos, os mais falados - contam-se os últimos de Tarantino, PTA, Kim Ki-duk, Malick e Russell. Ou - e esta é mesmo imperdoável - o último de Manoel de Oliveira, que "fugiu" das salas sem que o tivéssemos visto.
Dos (muitos) que sobraram, a necessidade de escolher apenas dez pediu mais cortes. Burton, Mendes e Wright, apesar das críticas bastante positivas, não conseguiram encontrar o seu caminho para a lista. E num ano em que as surpresas mais agradáveis surgiram de quem abraçou a sua natureza (e, na sua maioria, simplicidade) - casos de CHRONICLE, DREDD ou MAGIC MIKE, por exemplo -, o estaminé maravilhou-se com a falsa-inocência de Anderson e Berger, foi arrebatado pela violência emocional de Sachs e Haneke, espantou-se com o virtuosismo demonstrado por Gomes, Carax, Paolo e Vittorio Taviani, e recebeu de braços abertos a maturidade de Chbosky, Trevorrow e até mesmo de uma animação. Recusando o pretensiosismo de seleccionar categoricamente os dez melhores filmes do ano, aqui ficam as escolhas da redacção do Matinée Portuense para 2012. Para o ano haverá mais - e, com sorte, melhor - Cinema.
1. AMOUR, de Michael Haneke (Alemanha/Áustria/França, 2012)
«Numa análise cuidada, o que Haneke cria aqui - e que lhe valeu uma segunda Palma em Cannes - não é um filme bonito. É, contudo, algo muito mais poderoso e comovente, uma demonstração cabal de honestidade que roça a brutalidade e se estende aos planos aparentemente mais inocentes - conceito ao qual, na verdade, Haneke acaba sempre por se furtar no seu trabalho - e ângulos mais inesperados.» (ATF)
2. TABU, de Miguel Gomes (Alemanha/Brasil/França/Portugal, 2012)
«Tem-se em TABU, de Miguel Gomes, um dos objectos mais singulares da cinematografia recente portuguesa. Não só pela época que revisita ou sequer pela opção de fotografar a preto-e-branco - O BARÃO, de Edgar Pêra, por exemplo, também se situa nesse espectro -, mas sobretudo no talento envolvido na repescagem e utilização de todo um leque de técnicas e mecanismos que há muito se julgavam caídos em desuso e que aqui conferem ao filme uma dimensão indescritivelmente mágica.» (ATF)
3. SAFETY NOT GUARANTEED, de Colin Trevorrow (EUA, 2012)
«Chegando o final do filme apenas se deseja mais. Se Kenneth realmente viaja no tempo é questão deixada mesmo para o último minuto e para quem está a ver o filme pela primeira vez é o minuto mais longo de todos, mas vale a pena. Tudo culmina num final que para uns poderá ser considerado um escape fácil de todas as questões colocadas, mas para outros será um final apropriado para um filme extraordinário.» (WJR)
4. HOLY MOTORS, de Leos Carax (Alemanha/França, 2012)
«Nem todas as questões que coloca obtêm resposta - nem será nessa direcção que se procura mover -, mas quando um exercício tão habilidoso como HOLY MOTORS surge fica a sensação que não se paga pelo destino, mas sim pela viagem. E que viagem, esta!» (ATF)
5. PARANORMAN, de Chris Butler e Sam Fell (EUA, 2012)
«Parte homenagem cinematográfica ao Terror - as referências vão desde os anos 50 aos 80 -, parte moral a ser apreendida, a sequência que abre PARANORMAN, das melhores do ano dentro do género, deixa logo claros dois dos seus principais objectivos: introduzir os mais jovens a um tipo de filmes (Terror) que, porventura, ainda não conhecerão, e reunir os mais crescidos com a sua criança interior.» (ATF)
6. BLANCANIEVES, de Pablo Berger (Espanha, 2012)
«O exagero do pathos mistura-se deliciosamente com a faena e o flamenco, num vaivém de planos por vezes freneticamente montados e que emprestam alegria e cor, passe a expressão, à história. É quando a câmara trava ou se fixa num qualquer ponto que a tristeza se instala. Filmada com uma beleza e cuidado impressionantes e seguida por uma banda-sonora esmerada, dificilmente se poderia imaginar homenagem mais bonita ao cinema europeu dos anos 20.» (ATF)
7. THE PERKS OF BEING A WALLFLOWER, de Stephen Chbosky (EUA, 2012)
«Facilmente nos apercebemos que a emoção retratada é principalmente a angústia, também bastante notória no ambiente geral do filme, assim como a solidão e a dificuldade de conviver com algo fora da norma estabelecida pela sociedade. É dirigido para aqueles que são, realmente, diferentes e que de certeza se identificam com algumas das personagens, daí a importância de desempenhos superiores por parte do elenco, o que se verifica e dá alma ao filme.» (WJR)
8. MOONRISE KINGDOM, de Wes Anderson (EUA, 2012)
«História proto-romântica de dois pré-adolescentes que, julgando-se apaixonados, fogem de casa num Verão, revela o talento do cineasta norte-americano em se imprimir em cada fotograma das suas obras. Assiste-se a um perfeccionismo já raro - exibido igualmente a nível dos departamentos, com o merecido destaque a ir para as fabulosas direcções de arte e de fotografia -, demonstração exemplar de um estilo visual característico que, estendido aos limites, se mostra capaz de suportar a fita.» (ATF)
9. KEEP THE LIGHTS ON, de Ira Sachs (EUA, 2012)
«No final, sobra pouco por onde nos agarrarmos, tamanho é o desalento com que Sachs nos deixa; resta, no entanto, alguma esperança e a certeza de que a vida continua, indiferente aos desamores que nos lança. A solução é fechar os olhos, respirar fundo e começar tudo de novo.» (ATF)
10. CESARE DEVE MORIRE, de Paolo e Vittorio Taviani (Itália, 2012)
«É nesse cruzamento entre dimensões - a documental e a ficcional, a da liberdade e a do encarceramento - que os irmãos Taviani, herdeiros contemporâneos do neorrealismo italiano, encontram a sua maior virtude. Através de um equilíbrio estudado - evidente também pela fotografia e sonoplastia cuidadas - criam uma libertação dentro do próprio presídio.» (ATF)